Coluna

Denis R. Burgierman

Cenas da praia

14 de março de 2018

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Patriarcado não é uma coisa que os homens fazem com as mulheres

Fui para a praia com meus filhos, Aurora, a mais velha, Francisco, o bebê. Ela tem 4 anos e caracóis nos cabelos. No que pisou na areia ingressou no ecossistema. Foi habitar o mundo dos minúsculos serezinhos que revestem as pedras, invisíveis a olhos adultos, a não ser que acompanhados de uma criança. Jogou-se nas ondas com sua pranchinha, misturou-se à espuma rasinha por horas seguidas, sem cansar.

Uma hora afastou-se de todo mundo e foi caminhando sozinha para as pedras no barranco que separa a praia da estrada. Vi, de longe, ela viu que eu vi, fui seguindo-a entre orgulhoso e receoso, tentando dar-lhe espaço o suficiente para que ela pudesse satisfazer o impulso explorador, mas não tanto que não conseguisse apanhá-la no caso de uma queda.

Enquanto isso, Francisco, de 1 ano e meio, ficou na esteira, debaixo do guarda-sol, com outras crianças pequenas. A mania nova dele é abraçar todo mundo da idade dele: chega sorrindo, põe os bracinhos nos ombros, e pousa a cabeça, satisfeito. Umas crianças curtem, a maioria se assusta um pouco – uma hora tive que intervir enquanto um menininho com uma bola tentava escapar dessa captura afetiva, aos gritos.

Me ocorreu que, fossem outros os tempos, não seria incomum que algum mané comentasse “este menino é viadinho”, ou alguma chata viesse dar sermão na Aurora e explicar-lhe sobre a atitude de uma menina, com nojo dos bichinhos que ela catava.

Para mim, claramente, alguma chave mudou no mundo, e é uma chave que estava numa mesma posição desde que os bandos de humanos nômades da África explodiram sua população graças à invenção da agricultura, há uns 12 mil anos – uma revolução que daria origem a sociedades mais complexas, com relações de poder mais intrincadas. Desde esse momento, o patriarcado vigora em praticamente todas as sociedades humanas e, de acordo com ele, há papéis reservados às mulheres e há papéis reservados aos homens. Há também uma desigualdade na distribuição do poder, que fica quase todo com os homens.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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