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Diz o velho ditado que à mulher de César não basta ser honesta: ela precisa parecer honesta. Para mim, ainda mais importante é que um país não apenas seja justo: ele precisa parecer justo. A sensação subjetiva de que a Justiça não é igual para todo mundo é muito nociva para a vida em sociedade: diminui a vontade de todos de seguir regras e respeitar contratos, aumenta o ressentimento social, reduz a confiança, engrossa o caldo da violência e a tendência de alguns de justiçar com as próprias mãos.
Por tudo isso, me parece preocupante o atual momento nacional. No começo deste mês, suponho que você tenha ficado sabendo se não passou as últimas semanas em coma, Lula foi preso, para deleite de uns e indignação de outros. Se ele merecia ou não a cadeia é desses assuntos como a virgindade de Maria ou a existência do Inferno: questão de fé. É razoável argumentar que faltou provar que a construtora recebeu vantagens em troca do apartamento – portanto não se provou o crime (os advogados de Lula vão além e dizem que não se provou sequer que o apartamento foi dado a ele). Também não é absurdo dizer que executivo de construtora com contrato com o governo não deveria nem conversar com presidente ou ex-presidente, e que quem recebe propina no geral não emite recibo mesmo – portanto exigir prova cabal em casos como esse é como decidir jamais prender ninguém por corrupção.
Mas, mais importante do que discutir se Lula cometeu crime ou não, é o debate sobre se ele é julgado com os mesmos critérios dos outros ou não. O artigo que o sociólogo Celso Rocha de Barros publicou este mês na revista piauí mostrou de maneira competente como, no mínimo, a elite econômica que odeia Lula dá sinais de ser capaz de “controlar o timing da queda dos políticos”. Lula sucumbe num momento conveniente do calendário eleitoral, com processo tramitando em tempo recorde, enquanto Eduardo Cunha, para citar o exemplo de um óbvio mafioso acusado de mais crimes do que Al Capone, caiu apenas após concluir sua tarefa de derrubar Dilma. Como diz Rocha de Barros, parece mesmo ser o caso de que “um dos lados da disputa política tem o poder de ligar ou desligar instituições conforme seus interesses”. Em outras palavras: as instituições funcionam, sim, mas não sempre, nem para todo mundo.
Se isso é verdade ou é exagero, de novo vai ser questão de crença. Mas a percepção de que é verdade é evidente. Pegue como exemplo um Aécio, ou um Temer, cujos crimes dos quais são suspeitos contam-se na casa das centenas de apartamentos de Lula: propinas para lá de 100 milhões para um, para cá de 600 milhões para o outro, evidenciadas de maneira muito mais gráfica do que um apartamento reformado (teve até assessor correndo com mala cheia de dinheiro). Por enquanto, nem um nem outro foi sequer julgado.
Aécio deu força para quem acredita que ele está acima da lei quando foi flagrado numa gravação, criticando o governo Temer por ser “tão bunda mole que eles não têm o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado”. Ou seja, confessou que controla braços da lei e que tem o poder de parar investigações.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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