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“Nos encontramos felizes, lisonjeadas e gratas pelo carinho, pelo reconhecimento e por tantos convites no nome de Conceição Evaristo. Contudo, a escritora se encontra com a agenda fechada até abril de 2019”.
Esse texto, assinado por Tainá Evaristo, sobrinha da escritora, colocou-me a pensar no novo desafio das mulheres negras: como damos significado ao cheirinho de sucesso que exala de nossas carreiras? O Brasil conta hoje com um número considerável de mulheres negras que movimentam estruturas, alcançando lugares inesperados para quem é, historicamente, objetificada e tem a intelectualidade negada. Já em clima de balanço de 2018, refletir sobre isso é importante. Representa um caminho para a construção de um contraponto à narrativa das “histórias de superação”, à qual nossas biografias são confinadas.
A agenda de Conceição Evaristo, lotada até abril de 2019, faz parte da consolidação de um trajeto iniciado nos anos 1980, quando a mineira de Belo Horizonte iniciou suas atividades como escritora. Tem a ver também com seu trabalho como professora de língua portuguesa e literatura na rede pública do Rio de Janeiro. Quem acompanha Conceição já deve tê-la ouvido falar: “as primeiras pessoas a legitimarem meu trabalho foram as professoras da escola pública e não a academia”. Sua afirmação é uma evidência de que operamos com o reconhecimento profissional como parte de uma militância em prol da comunidade negra. Nosso ativismo intelectual incide diretamente na vida de milhões de pessoas.
O manuseio do sucesso como uma ferramenta de militância possibilita que nossos percursos sejam reinterpretados como histórias de reinvenção, em vez da perspectiva racista da “superação”. Nosso reinventar-se é sustentado coletivamente, representando um diferencial em relação a trajetórias de sucesso no grupo racial branco. Basta compararmos as biografias de Carolina Maria de Jesus e Clarice Lispector para identificarmos muitas diferenças.
Minha própria trajetória acadêmica, de brilho e consagração à frente do Grupo Intelectuais Negras UFRJ, também possibilita refletir sobre o que nosso sucesso exala. Na semana passada, estive no Colégio Estadual Olga Benário Prestes, no bairro carioca de Bonsucesso, para receber uma homenagem da inesquecível turma de terceiro ano. Fiquei emocionada de adentrar a quadra da escola e ser recebida calorosamente por estudantes, em sua maioria negros, que com todo amor e cuidado passaram um semestre estudando a minha biografia. Esse trabalho, em consonância com a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história da África e cultura afro-brasileira, foi desenvolvido sob orientação da professora Joice Silviano . Seus resultados lindos corroboram a fala de Conceição Evaristo sobre o papel das docentes da educação básica em promover transformações.
Giovana Xavieré professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Formada em história, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado, por UFRJ, UFF, Unicamp e New York University. É idealizadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras. Em 2017, organizou o catálogo “Intelectuais Negras Visíveis”, que elenca 181 profissionais mulheres negras de diversas áreas em todo o Brasil.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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