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A violência contra as mulheres segue crescendo na América Latina. Um levantamento realizado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) mostrou que 2.795 mulheres foram assassinadas na região em 2017 em razão de sua identidade de gênero. O Brasil é o líder de feminicídios na região, concentrando 40% desses assassinatos. Quase todas as semanas há notícias em jornais de mulheres mortas por namorados e ex-namorados ou maridos e ex-maridos. A pesquisa feita em 2017 pelo Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz dados alarmantes sobre a violência contra as mulheres no país: 45% das mulheres entre 16 e 24 anos reportaram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses; em 61% dos casos, o agressor era uma pessoa conhecida e 43% das pessoas reportaram que a violência mais grave se dá em casa.
Que políticas são efetivas para combater esse tipo de violência? Diversos estudos mostram que o aumento no poder de barganha de mulheres dentro do domicílio está associado com a redução da violência doméstica. A professora Anna Aizer publicou em 2010 o estudo ” The Gender Wage Gap and Domestic Violence ” na revista American Economic Review, uma das mais conceituadas em economia. Nesse estudo ela utiliza dados de hospitalização de mulheres decorrentes de agressões domésticas e explora choques econômicos que afetam diferentemente setores da economia em que mais mulheres trabalham (por exemplo serviços) versus setores da economia onde mais homens trabalham (por exemplo construção). Ela mostra que reduções na brecha salarial entre homens e mulheres explicam quase 10% da redução de violência doméstica no EUA entre 1990 e 2003.
Outra evidência relativa à violência doméstica vem de programas de transferência de renda em que a mulher recebe os recursos na maioria das vezes. O professor Gustavo Bobonis e coautores utilizam o programa mexicano Oportunidades para estimar os efeitos em violência doméstica. No trabalho ” Public Transfers and Domestic Violence: The Roles of Private Information and Spousal Control ” eles comparam mulheres beneficiárias da transferência de renda com mulheres não beneficiárias, mas que estão em localidades próximas e com características similares. Eles encontraram que mulheres beneficiárias do Oportunidades têm 40% menos chance de ser vítima de violência doméstica. Porém, eles mostram que reclamações com ameaças e abuso verbal crescem nesses domicílios.
Outra forma de aumentar o poder de barganha das mulheres é flexibilizar leis de divórcio. Betsey Stevenson e Justin Wolfers mostram no trabalho ” Bargaining in the Shadow of the Law: Divorce Laws and Family Distress “, publicado no Quarterly Journal of Economics em 2006, que leis de divórcio unilateral nos EUA reduziram de forma significativa a incidência de violência doméstica. Eles exploram a introdução dessas leis em diferentes estados ao longo do tempo e comparam estados que adotaram esse tipo de norma com estados que somente adotaram a lei em períodos posteriores. Eles encontram que a permissão para o divórcio unilateral aumenta o poder de barganha das mulheres e facilita a saída de relações violentas levando a uma redução de 8% a 16 % em suicídios de mulheres, uma redução de 30% em violência doméstica e um declínio de 10% em homicídios de mulheres por seus parceiros.
Mudanças econômicas podem ajudar a reduzir a violência doméstica, mas elas devem ser acompanhadas por mudanças nas leis. A mudança mais óbvia é o aumento da punição para esse tipo de crime. Mas leis que tornam a punição contra o homem mais severa podem ter efeitos inesperados. Se, por um lado, podem desincentivar a violência doméstica, por outro, em casos onde as mulheres são mais vulneráveis e dependentes financeiramente de homens penas drásticas podem desincentivar as mulheres a denunciarem seus agressores. Nos EUA diversos estados adotaram leis que requerem a prisão do abusador quando um crime de violência doméstica é reportado para a polícia. Radha Iyengar estuda o impacto dessas leis no estudo ” Does the certainty of arrest reduce domestic violence? Evidence from mandatory and recommended arrest laws “. Ela mostra que em estados que passaram leis que requerem a prisão de parceiros denunciados por violência doméstica houve um aumento de feminicídios quando comparados com estados que não passaram essas leis. Ela explica esse efeito paradoxal pela diminuição de denúncias de parceiros violentos e, dado o conflito, o aumento de fins trágicos.
Claudio Ferrazé professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.
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