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Claudio Ferraz

Por que é preciso falar de gênero nas escolas

14 de novembro de 2018

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Papel da mulher na sociedade é limitado por barreiras formais e informais. Evidências mostram que, com educação e discussão, é possível mudar valores e normas ineficientes e injustos

A onda conservadora que varreu o Brasil nas eleições continua gerando marolas. Uma das principais discussões se centra em reformas para proibir a discussão sobre gênero dentro das salas de aula, uma das bandeiras do presidente eleito Jair Bolsonaro e de seus seguidores. Contrário ao que pensam  movimentos como o Escola Sem Partido, esse tipo de discussão é mais importante do que nunca. O papel da mulher na sociedade mundial, e especialmente na brasileira, continua significativamente limitado por uma série de barreiras formais e informais. Além de uma participação menor na força de trabalho e de salários mais baixos, o Brasil tem uma das mais baixas representações femininas na política, em altos escalões de empresas privadas e do governo. Finalmente, se isso não fosse o bastante, a violência contra a mulher tanto em forma de violência doméstica como crimes sexuais cresce a cada ano.

Mas o que a escola tem a ver com isso? Não deveriam ser os pais que educam seus filhos e passam seus valores? Infelizmente a transmissão cultural de valores de pais para filhos pode fazer com que normas sociais ineficientes e injustas sejam mantidas por décadas, e às vezes até séculos. Em diversos países da África, por exemplo, milhões de meninas passam pelo processo de cortes vaginais por motivos de tradição. O processo é extremamente violento e é feito na maioria das vezes sem o consentimento dessas meninas. Por que ele ocorre? Porque é uma tradição passada de mãe para filha, e, em comunidades onde a grande maioria das meninas passam por isso, nenhuma mãe quer que sua filha seja “mal vista”.

Esse problema é um exemplo do que os economistas chamam de problema de coordenação. Nenhuma família quer ser a primeira a deixar de fazer isso, mas se todas as outras deixassem de fazer, elas também deixariam e todas as famílias estariam num equilíbrio mais eficiente. Intervenções que buscam mudar essas normas sociais mudando atitude dessas comunidades, como o experimento feito por Sonja Vogt e coautores no Sudão por meio  do uso de mídia, podem ser efetivas em modificar o equilíbrio existente.

Claro que o exemplo da mutilação genital na África é extremo, mas podemos pensar que escolhas ocupacionais de mulheres sofrem de um problema parecido. Poucas mulheres decidem ser engenheiras ou matemáticas porque sabem que quando chegarem na turma, haverá poucas mulheres. Mas se mais mulheres resolvessem ser engenheiras, é provável que outras mulheres também escolhessem essa profissão. Diversas normas sociais como “matemática não é coisa de menina” se perpetuam e geram grande ineficiência para a sociedade.

Muitos argumentam que as atitudes são consequência da baixa renda e escolaridade do país e que, conforme o Brasil se torne um país mais desenvolvido, as mulheres participarão mais da economia, terão mais igualdade e a violência contra elas diminuirá. Mas isso não é o que mostra a evidência empírica. Num trabalho influente intitulado ” On the origins of gender roles “, a economista Paula Giuliano , da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles),  e seus coautores Alberto Alesina e Nathan Nunn mostram que sociedades que usaram o arado para a agricultura entre os séculos 17 e 19, onde os homens faziam grande parte das tarefas agrícolas pela necessidade de uso da força, são sociedades em que até hoje a mulher participa menos do mercado de trabalho.

Claudio Ferrazé professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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