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O mundo assiste aterrorizado ao desastre completo da política controlada pelos homens. A política convencional, baseada em disputa, trapaça, corrupção e violência como métodos naturalizados, assume formas cada vez mais degeneradas. O ressurgimento institucional da extrema direita e a propagação de grupos de ódio e obscurantistas na cena pública aceleram a destruição da vida planetária em larga escala, em uma corrida insana movida a ganância e intolerância.
Embora a maior parte dos homens não se beneficiem diretamente desse sistema patriarcal, racista e colonial, a política dominante é terreno masculino por excelência. Isso está evidente na sub-representação das mulheres nos espaços de poder, mas também em outras dimensões menos visíveis de uma cultura política que penaliza as mulheres e, de maneira distinta, os homens que não estão em posições hegemônicas.
O jogo é particularmente nocivo para as mulheres. A começar pela divisão sexual e racial do trabalho, passando pela captura do tempo com a sobrecarga de tarefas domésticas, até a onipresença da violência machista em suas mais variadas matizes – da subestimação da inteligência das mulheres ao feminicídio –, as barreiras se acumulam a ponto de fazer com que muitas mulheres sequer imaginem a possibilidade de algum dia participarem da política. Essa retração do desejo, nem sempre percebida como violência, não é nada sutil e acentua o efeito devastador da reprodução da política na ausência das mulheres.
Apesar dos avanços históricos atrelados às mudanças de mentalidade e comportamento impulsionadas pelas lutas feministas, a reação organizada de setores conservadores e sua reverberação na sociedade têm patrocinado agendas regressivas e ataques a conquistas democráticas que atingem terrivelmente as mulheres em diversos países. No Brasil, garantias básicas como o aborto legal em caso de estupro ou a reserva de vagas e recursos eleitorais para candidaturas femininas estão ameaçadas com o crescimento de facções fundamentalistas no Congresso Nacional, assim como o governo Bolsonaro tem arruinado numerosas políticas públicas fundamentais para a concretização dos direitos de cidadania.
Por outro lado, a resistência das lutas populares, protagonizadas sobretudo por mulheres que constroem experiências de organização e cuidado da vida nos territórios, demonstra que está em curso em todo o mundo um processo múltiplo de transformação política desde o cotidiano, em contraponto genuíno à política da morte. Esse processo, obviamente, ainda não gerou força suficiente de influência sobre o sistema político. Entre a potência das iniciativas que surgem no chão das lutas e as decisões do Estado, há um abismo que precisa ser superado com um esforço intencional de mediação e infiltração das lutas na institucionalidade.
Áurea Carolina
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