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Áurea Carolina

Djonga, o amor-próprio de uma geração

26 de abril de 2019

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Jovem rapper de Belo Horizonte coloca Minas no centro da cena do hip hop no Brasil, buscando romper com as barreiras impostas por uma sociedade escandalosamente desigual

“Eu devolvi a autoestima pra BH, isso que é ser hip hop”. Com essas palavras, o rapper Djonga adaptava a letra da sua música “Junho de 94″, do álbum ” O Menino que Queria ser Deus “, colocando a sua cidade em equivalência ao seu povo – na letra original: “eu devolvi a autoestima pra minha gente”. A mensagem foi passada diante de uma multidão de jovens que compareceram ao show de lançamento do seu mais novo álbum, ” Ladrão “, no último dia 21 de abril.

Quem conhece a história da cultura hip hop de Belo Horizonte entende a dimensão da frase. Apesar de ser um dos circuitos mais criativos do país, movido desde os anos 1980 por importantes artistas e produtores de rap, grafite e danças urbanas, BH ainda não tinha forjado um grande nome de expressão nacional que fosse representativo da sua cena. Aos 24 anos, Djonga honra a caminhada de muitos que vieram antes dele e encabeça uma fase inédita de projeção do rap mineiro pelo Brasil.


No início do show, Djonga falou dos 80 tiros disparados pelo Exército no dia 7 de abril contra uma família negra na Zona Norte do Rio de Janeiro: “por todas e todos que morreram lutando por essa porra desse país que só mata, que dá 80 tiros em inocente e fala que confundiu”. Naquele episódio fatídico, Evaldo dos Santos Rosa, condutor do carro fuzilado, morreu imediatamente. Dias depois, morreu Luciano Macedo, cidadão que foi atingido quando tentou prestar socorro às vítimas.

Chamado de “incidente” pelo porta-voz do presidente da República, que sequer se solidarizou com os sobreviventes, o caso traz à tona, outra vez, o agravamento do processo de militarização da vida e da matança sistemática da população negra e periférica no Brasil, que ultrapassou a taxa desesperadora de 30 homicídios por 100 mil habitantes – uma das mais altas do planeta, conforme o Atlas da Violência 2018.

Jovens negros como Djonga são os principais alvos desse sistema genocida, resultado de um Estado penal exacerbado pela combinação macabra de encarceramento em massa de pessoas negras e pobres, proibicionismo na política de drogas, proliferação de armas, destruição de direitos sociais, colapso do modelo repressivo de segurança pública, apologia oficial ao ódio e ataques contra as lutas e existências do povo da periferia.


Áurea Carolina

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