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A proposta de desindexação do salário mínimo viveu na semana passada seu Dia da Marmota. Voltou a sair da toca, por iniciativa do ministro Paulo Guedes, para a ela retornar, a mando do presidente Jair Bolsonaro. Tal como no filme “O Feitiço do Tempo”, propostas para reduzir o piso da previdência reaparecem periodicamente, como se a decisão do dia anterior não tivesse acontecido. O ciclo se repete porque há um descasamento entre a preferência majoritária do mundo político e a solução que pretende enfrentar o déficit público pedindo sacrifícios adicionais aos aposentados pobres.
O que pretende a proposta de desindexação? Desde 2012, a taxa de reajuste anual do salário mínimo no Brasil é indexada, isto é, é calculada segundo a taxa de inflação do ano anterior mais a taxa de crescimento real do PIB (Produto Interno Bruto) apurada dois anos antes. Mas a lei vigente terá sua validade expirada para 2020. Logo, alguma decisão terá de ser tomada. A proposta de desindexação pretende que não exista nenhuma regra de reajuste. Presumivelmente, a inexistência de qualquer regra permitiria desvalorizar o salário mínimo, isto é, obter taxas de reajuste inferiores à inflação e, portanto, reduzir o gasto com aposentadorias.
Escapa à minha compreensão como essa proposta cumpriria declaração do discurso de posse na Economia, quando Guedes, aplaudido de pé, denunciou ser a Previdência brasileira uma “ fábrica de desigualdades ”. Muitos estudos empíricos demonstram que a vinculação do piso previdenciário ao salário mínimo é isoladamente o fator mais importante na redução da desigualdade de renda entre os aposentados.
Um detalhe chave, contudo, parece ter escapado à proposta. O valor do salário mínimo precisa ser aprovado no Congresso. As leis que regem as decisões políticas não são as mesmas que regem a formação dos preços de bens e serviços em um mercado desregulamentado. Por isso, há grandes chances de que essa desindexação produza o oposto do efeito esperado pelo ministro, isto é, um aumento de seu valor real, a taxas superiores às da inflação.
Convém examinar como eram tomadas as decisões sobre o salário mínimo quando ele era desindexado, tal como pretende o ministro. Até o Plano Real, em 1994, os reajustes visavam apenas repor as perdas inflacionárias. Na prática, sequer faziam isso. Com a estabilização da moeda, no segundo mandato de FHC e nos governos Lula, não havia nenhuma regra de correção automática do salário mínimo. Seu valor era negociado no Congresso a cada ano. Ali, a política do salário mínimo passou a ser “a” política social do Brasil.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
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