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“Era uma vez” um rei chamado Lear: um conhecido monarca da Bretanha, que tinha três filhas às quais devotava muito carinho. Com a maturidade e a velhice despontando, o soberano concluiu que era chegada a hora de ceder a coroa e dividir o reino entre suas três amadas filhas: Goneril, Regan e Cordélia.
Goneril e Regan eram casadas com duques do reino, enquanto Cordélia, a caçula, era solteira, mas tinha ótimos pretendentes: o rei da França e o duque de Borgonha. Para medir a lealdade de suas filhas, Lear pede a elas que expressem em palavras a intensidade do sentimento que a ele devotavam. Esse seria, aliás, o critério que pautaria a divisão futura do reino.
As duas filhas mais velhas combinam entre si e declaram amar o pai sem qualquer restrição, de forma a agradar e envaidecer o velho rei. Por sua vez, Cordélia, ética de caráter, explica a Lear que o respeita e admira da maneira como uma filha deve amar um pai: nem mais, nem menos. Tomado de raiva, Lear deserda e expulsa Cordélia de seu reino, a qual acaba casando-se com o rei da França, que se impressionara com a honestidade de sua futura esposa.
Já nosso Lear, sentindo-se ultrajado pela caçula, resolve dividir seu reino apenas entre as duas filhas mais velhas, não sem antes estabelecer que seria protegido, enquanto vivesse, por uma corte de 100 cavaleiros e que alternaria a sua hospedagem dentre os palácios de Goneril e Regan. Goneril foi a primeira filha a receber o pai. Rapidamente, porém, demonstrou que não pretendia cumprir com o combinado, destratando o pai e buscando reduzir seus privilégios. Humilhado, o ex-soberano decide então morar com Regan, que o recebe com a mesma atitude de desdém demonstrada pela irmã.
Profundamente decepcionado, Lear rompe com as filhas e é expulso de seu reino. Desolado e só, ele parte para a floresta, apenas acompanhado de um diminuto séquito e pelo bobo da corte, figura que, nessas histórias de reinos passados e muitas vezes imaginados, revela-se sempre como seu oposto lógico: não o mais tolo, mas o mais sábio da corte. Por lá o ex-monarca apresenta, todavia, o que seriam os primeiros sinais de uma loucura motivada pela tristeza e maus tratos da família.
Lilia Schwarczé professora da USP e global scholar em Princeton. É autora, entre outros, de “O espetáculo das raças”, “As barbas do imperador”, “Brasil: uma biografia”, "Lima Barreto, triste visionário”, “Dicionário da escravidão e liberdade”, com Flavio Gomes, e “Sobre o autoritarismo brasileiro”. Foi curadora de uma série de exposições dentre as quais: “Um olhar sobre o Brasil”, “Histórias Mestiças”, “Histórias da sexualidade” e “Histórias afro-atlânticas". Atualmente é curadora adjunta do Masp para histórias.
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