Coluna

Denis R. Burgierman

O racismo de Trump. E o da minha avó

27 de fevereiro de 2019

Temas

Compartilhe

E o meu também: gostamos de acreditar que somos pessoas boas, e que o mau do mundo está nas pessoas ruins, que têm características odiosas

Racismo, machismo, homofobia são falhas morais, defeitos do caráter. Certo? São sinais de maldade, não é isso? Se alguém é racista, está de alguma forma conectado ao genocídio na periferia. Se é machista, faz parte do sistema que mata mulheres a pedradas. Se é homofóbico, integra o grupo de apoiadores da execução de quem não se enquadra na divisão tradicional de gênero. Né?

No entanto, quando deixo a memória passear pela doçura da infância, tem algo difícil de ignorar: minha avó era racista.

Não era pouco, não, era muito. Você precisa ver as palavras que ela usava para se referir a nordestinos,, a japoneses, a negros, basicamente a qualquer grupo que não fosse o dela. Para falar de negros ela até mudava o idioma, como que sugerindo que o assunto não devia ser discutido em público. “Shvartse”, dizia, recorrendo ao iídiche nativo: minha avó era judia, nascida na Polônia, sobrevivente do racismo. E, quando acuso seu próprio racismo, não consigo evitar sentir uma culpa, como se eu estivesse ofendendo sua memória.

Não estou, juro. Amava – amo – minha avó. Conhecendo-a bem, entendo que suas crenças de superioridade eram firmemente ancoradas num complexo de inferioridade, difícil de evitar para alguém cuja primeira infância foi marcada por um projeto de extermínio de toda a sua comunidade, dela própria inclusive. Mas, para além disso, sei que ela era uma mulher do tempo dela, e amo tantas outras mulheres e outros homens do tempo dela, que no entanto eram racistas. Eram machistas. Eram homofóbicos. Faziam piadas sobre a inferioridade dos outros, tratavam-nos com desrespeito, eram condescendentes, agressivos, desrespeitosos, injustos. Inclusive eu – já ri de piadas no passado que talvez hoje em dia dessem cadeia.

Acho que talvez devêssemos parar de tratar esse assunto apenas com o olhar moral.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas