Coluna

Alicia Kowaltowski

Somos todos metabolismo

23 de outubro de 2019

Temas

Compartilhe

Apenas 100 gramas de uma molécula especial em nossos corpos garantem que a gente tenha energia e fique vivo. E a ciência do Brasil está na fronteira do conhecimento nessa área

Sou cientista e trabalho junto com um grupo de talentosos jovens cientistas no Laboratório de Metabolismo Energético dentro da Universidade de São Paulo. Quando falo para as pessoas que metabolismo é minha área de estudo, percebo que as pessoas querem de mim soluções imediatas para coisas que associam com “metabolismo ruim” (a tendência a engordar, no entender popular), ou invejam as pessoas com “bom metabolismo” (que não engordam com facilidade), mas raramente entendem o que essa palavra de fato significa.

Metabolismo é o conjunto de reações químicas que transforma moléculas em outras moléculas dentro dos nossos corpos. Nós somos todos compostos por moléculas, e, incrivelmente, as nossas moléculas estão em constante transformação dentro de nós por meio de reações químicas – embora a gente, ao menos na aparência, não mude tanto assim com o passar do tempo. Essas transformações acontecem a todo momento por dois motivos principais.

Um é que moléculas grandes como as que nos compõem têm prazo de validade e se degradam sozinhas, em processo semelhante à manteiga ficando rançosa com o tempo. Nossas moléculas precisam, portanto, ser repostas constantemente. Por exemplo, nossa gordura sofre o mesmo processo que degrada a gordura da manteiga, mas, como nós estamos vivos, essas moléculas estragadas são eliminadas e repostas, e a nossa gordura não vira ranço. Quem faz essa reposição é o metabolismo, que constrói novas moléculas a partir de outras dentro de nós, ou a partir de nossa comida, constantemente nos renovando.

O segundo motivo pelo qual o metabolismo é necessário é para gerar energia, e é esse justamente o tipo de metabolismo que eu estudo, o metabolismo energético. Precisamos de energia para tudo, para pensar, andar e simplesmente para manter as nossas células e corpos vivos. A energia para isso vem de uma molécula única, que é uma espécie de moeda energética da célula, a adenosina trifosfato (ou ATP, para facilitar).

O ATP possui um tipo de ligação química que, quando quebrada, libera energia que pode convenientemente ser usada por quase qualquer processo do corpo, incluindo contrair seus músculos para se movimentar, ou ativar seus neurônios para pensar. O ATP é uma molécula tão importante para nós que, apesar de termos apenas cerca de 100 gramas de ATP dentro de nós, cada pessoa sintetiza mais ou menos o seu próprio peso dessa única molécula todos os dias. Obviamente, não fazemos quilos de ATP de uma vez só, mas sim continuamente quebramos e refazemos cada cópia que temos dessa molécula milhares de vezes ao dia.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas