Coluna

Marta Arretche

O custo de ter um outsider na Presidência da República

13 de fevereiro de 2020

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Precisamos falar sobre o risco de ter no comando do país alguém que tem como agenda o desmonte de políticas públicas que requerem ajustes

Animado debate vem sendo travado sobre os riscos que o governo Bolsonaro representa para a democracia e o funcionamento das instituições políticas brasileiras. Desnecessário frisar a relevância da discussão. Surfando na onda da baixíssima reputação da elite política brasileira e sendo bem-sucedido em se apresentar como um outsider, o presidente não faz esforço para disfarçar seu baixo apreço pelas regras democráticas. Ao governo Bolsonaro se aplica uma frase cuja autoria é controversa: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Sugiro, entretanto, que uma segunda ordem de preocupações é tão urgente quanto ou mais: qual é o custo de entregar a um outsider um cargo que implica responsabilidades sobre políticas públicas? Que preço pagaremos, como sociedade, por ter na Presidência da República um personagem cuja agenda é desmontar políticas públicas e instituições que foram objeto de incremental e negociada construção a partir de um compromisso com a inclusão social inscrito na Constituição de 1988?

Vejamos, por exemplo, o caso da política educacional. O diagnóstico de nosso problema é unânime. Estamos atrasadérrimos! No mundo desenvolvido, a conclusão do ensino médio é quase universal. Aqui, mais da metade da população adulta, com 25 anos ou mais, 52,6%, ainda não completou o ensino médio, nos informa a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2018. Pior: essas taxas não nos dizem muita coisa se acrescentarmos a exigência de que a educação seja de qualidade tal que nos permita sair da condição de lanterninhas do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). O fato é que, se quisermos recuperar o tempo perdido, temos que correr. E muito!

Sobre o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por sua vez, não há unanimidade. Lembra Chatotorix, o bardo mais chato da Galia, nas geniais HQs de Asterix & Obelix: “ele se considera genial, mas todos os demais (exclusive o clã Bolsonaro) consideram-no abominável”.

Ofertar educação e de qualidade não é trivial. Na educação, não existe o equivalente da vacina, pela qual uma única ação imuniza os indivíduos contra a ignorância. É preciso capacitar e obter diariamente a cooperação de um exército de agentes de ensino. No Brasil, é inescapável coordenar as ações de 26 estados, 5.570 municípios e o Distrito Federal. É preciso que todas essas unidades, que têm autonomia para decidir como executarão suas próprias políticas educacionais, estejam comprometidas em recuperar o tempo perdido.

Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

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