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Randolfe Rodrigues

Economia covid-19 e a renda básica

03 de abril de 2020

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A política do governo de enfrentamento à doença deve ser consistente e proteger a saúde da população e o bem-estar daqueles que são mais vulneráveis na crise

O bem-estar da sociedade neste momento deve ser prioridade, especialmente a proteção dos segmentos mais vulneráveis da população, os mais pobres, os autônomos, os informais e as pequenas e médias empresas, num cenário marcado por profunda desigualdade social e regional. Recursos a fundo perdido, e não empréstimos, devem responder a essas prioridades. Essa é a única forma de aplacar o medo e a incerteza dos mais pobres diante da necessidade de adotarmos distanciamento social, auto-isolamento e outras medidas fundamentais para a proteção da saúde mas conflitivas com os modos de sobrevivência desses segmentos da população antes da crise biossocial do novo coronavírus.

O Congresso aprovou o auxílio emergencial aos trabalhadores informais como parte da estratégia de resposta à epidemia da covid-19. O auxílio tem o valor mensal de R$ 600, será pago durante três meses (prorrogáveis), e vem a ser o triplo do valor proposto pelo governo federal. Estima-se em R$ 98 bilhões o valor total desse auxílio, que seriam injetados diretamente na economia real. Porém, indiferente à emergência dos que esperam a Renda Básica, o presidente demorou mais de 72h para publicar a lei (13.982/2020) que cria o auxílio. Um escancarado contraste com a agilidade para aprovar, no CMN (Conselho Monetário Nacional), R$ 650 bilhões para regular o impacto da crise no sistema financeiro, os contemplados de sempre.

Para uma política consistente de proteção social à população vulnerável, apresentei o PL nº 873/2020, que institui a Renda Básica de Cidadania Emergencial e amplia benefícios aos inscritos no Bolsa Família e aos cadastrados no Cadastro Único, em casos de epidemias e pandemias. Esse projeto, já aprovado no Senado, deve alterar a Lei nº 13.982 e, entre outras propostas, determina a ampliação imediata do BPC (Benefício de Prestação Continuada) para quem tem renda mensal per capita inferior a meio salário-mínimo; a autodeclaração de rendimentos do trabalhador informal; a inclusão de mães adolescentes no auxílio; e a possibilidade de recebimento do auxílio emergencial para os que já recebem o Bolsa Família, limitado a combinação de duas cotas de benefícios. Incluiu-se também um rol exemplificativo para explicitar algumas categorias que estariam incluídas nessas medidas de proteção. É o caso dos trabalhadores com profissão regulamentada, desde que estejam devidamente inscritos no respectivo Conselho Profissional, como agricultores familiares, aquicultores, pescadores artesanais e técnicos agrícolas, motoristas de aplicativos, entre outros.

Adicionalmente, após dar conta dessas prioridades, o Estado deve salvar as empresas da falência e proteger os setores econômicos estratégicos. Princípios claramente definidos devem indicar como resgatar esses setores e quais as contrapartidas que serão exigidas como, por exemplo, a manutenção de empregos e salários enquanto se mantiver a pandemia. Devemos evitar repetir a experiência de 2008, quando fortalecemos o setor financeiro, alimentando o próprio motor da crise — a financeirização da economia — sem alavancar um novo modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Todas essas medidas são intensivas em ações estatais, porém, ao longo dos últimos anos, diversas medidas enfraqueceram a capacidade do Estado de reagir às crises e proteger a população. As políticas de proteção social foram contidas pelo teto de gastos ou reformadas com elevados prejuízos para a maioria da população, como no caso da previdência e das políticas de trabalho e renda com perdas de direitos e congelamento de salários e benefícios. Na saúde, o descaso com o SUS (Sistema Único de Saúde) e com a proteção do complexo industrial da saúde agora cobra seu preço; na política econômica, as desonerações — as privatizações, o esfacelamento de empresas como a Petrobrás e a destruição dos bancos públicos, especialmente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) — precarizaram instrumentos fundamentais para organizarmos a nação nesta crise, que integra três círculos concêntricos: o biológico, o social e o econômico, traduzindo um pandemônio sem precedentes desde a chamada gripe espanhola de 1918.

Randolfe Rodrigues

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