Coluna

Marta Arretche

Os ânimos políticos em torno da renda básica e da taxação progressiva

02 de julho de 2020

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É inegável a necessidade de programas robustos de apoio à população como parte da recuperação da crise econômica e sanitária

Será necessário adotar um programa de renda básica, com cobertura e valores maiores do que o programa Bolsa Família. A ideia não é nova, embora existam poucas experiências no mundo. Mas muitos analistas, de distintos matizes, no Brasil e no mundo civilizado, têm reconhecido a imperiosa necessidade de um massivo programa incondicional de transferência de renda em resposta aos efeitos econômicos da covid-19.

A razão é de bom senso. Parece cada vez menos provável uma recuperação rápida, em formato de V, em que uma economia bate no fundo do poço e quica de volta rapidamente. Em artigo publicado em maio, intitulado “The ABCs of the Post-Covid Economic Recovery ”, Louise Sheiner e Kadija Yilla ampliam o abecedário da saída da crise. Um formato em W, pelo qual o relaxamento do isolamento produz novos picos de transmissão do vírus e consequente necessidade de novo isolamento também seria possível. Um formato de U invertido, pelo qual o retorno à situação anterior ao “cavalo de pau” da economia demora mais, seria bem provável. Por fim, um formato de L, pelo qual a atividade econômica cai e lá fica por longo tempo, também pode ocorrer.

Seja qual for a letra, ou uma combinação delas, há fortes razões para crer que vamos conviver bem mais tempo com as consequências econômicas da covid-19, quais sejam, pobreza elevada, desocupação, queda da renda, quebra de empresas e consequente redução da arrecadação de impostos. Desnecessário elencar números — estes povoam as manchetes dos jornais diariamente. A penúria será prolongada.

Há quem defenda um programa universal de renda básica, ao qual todos, sem distinção de rendimentos, teriam direito. O programa seria progressivo se aqueles que têm renda mais elevada pagassem impostos mais elevados, o que tornaria negativo seu saldo de ganhos e perdas. Há quem defenda um programa mais focado em algum tipo de vulnerabilidade, sendo crescentemente aceita a ideia de que um auxílio para cada criança pobre teria maior impacto sobre a pobreza futura. Em artigo no jornal Valor Econômico , Naercio Menezes-Filho estimou que o valor de R$ 800 para cada criança pobre de 0 a 6 anos custaria R$ 48 bilhões. Um valor de R$ 400 por criança permitiria estender o programa a todas as famílias pobres com crianças entre 0 e 12 anos, somando o mesmo valor total.

A grande pergunta é: de onde sairiam os recursos, se a arrecadação está e vai continuar caindo por conta da retração da atividade econômica? É neste ponto que simpatizantes da ideia pulam fora do barco da renda básica. Não dá para pagar, dizem eles.

Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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