Coluna

Laura Carvalho

Os erros no apoio do governo às pequenas empresas

23 de julho de 2020

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Ao ver centenas de milhares de negócios fecharem as portas, é difícil não lembrar da declaração do ministro da Economia de que salvar as ‘pequenininhas’ na pandemia seria perder dinheiro

Os dados da nova pesquisa Pulso Empresa divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 16 de junho desnudaram o que pode ser considerado o segundo maior vácuo na resposta dada até aqui pelo governo federal ao colapso causado pela pandemia: a inadequação das medidas de apoio às micro e pequenas empresas do país só não perde para a atuação criminosa do governo na área da saúde pública. Mas se ao não combater o que deu origem à própria crise econômica — o vírus — adiamos nossas perspectivas de retomada, ao não conseguir evitar o fechamento definitivo de mais de 716 mil empresas até o final da primeira quinzena de junho detonamos nosso potencial de recuperação.

O cenário revelado pela pesquisa é devastador. Do total de empresas cujas portas já se fecharam, 99,8% têm menos de 49 empregados. Além disso, 93% das empresas fechadas estão enquadradas nos setores de serviços, comércio e construção civil (ante 7% na indústria). Esses números sugerem que a perda de empregos e de renda associada à quebra dessas empresas recairá desproporcionalmente sobre trabalhadores menos escolarizados — empregados de forma mais intensiva nessas atividades — ampliando nossas já elevadas disparidades salariais.

Do total das empresas de menos de 49 empregados, 64% declarou que a pandemia trouxe dificuldades para realizar pagamentos de rotina como tributos, fornecedores, salários, aluguéis, energia elétrica. Esse percentual cai para 54,8% entre as empresas de 50 a 499 empregados e para 35,6% entre as de mais de 500 funcionários. Tais números não surpreendem, mas é justamente por isso que países ao redor do mundo têm adotado medidas substantivas de crédito e outras formas de socorro para garantir a sobrevivência das empresas de menor porte e os vínculos empregatícios correspondentes.

Entre as empresas de até 49 empregados, a pesquisa revela que 44,2% adiaram o pagamento de impostos devido às dificuldades de arcar com seus compromissos, sendo mais da metade com a ajuda do governo, mas somente 12,7% conseguiram uma linha de crédito emergencial para pagamento da folha salarial, dos quais um terço nem contou com a ajuda do governo.

São muitas as razões para o fracasso do enfrentamento da crise nessa área. Primeiro, como destacou Manoel Pires , do Observatório de Política Fiscal do IBRE/FGV (Instituto Brasileiro de Economia), a partir da compilação de dados de 16 países, o Brasil é o quarto quando classificado pelo custo em relação ao PIB dos programas governamentais de enfrentamento à pandemia aprovados (incluindo recursos para a saúde, auxílio emergencial, postergações de impostos e outras medidas fiscais não creditícias), mas é somente o 11o em relação aos recursos públicos destinados para facilitar o crédito (garantias, subsídios de juros e fontes fiscais). Além disso, de 3,2% do PIB oferecidos pelo governo federal nessa área, somente 1,9% se destinou a linhas de financiamento para empresas, com o restante referindo-se aos empréstimos concedido a estados e municípios. Esse valor é irrisório quando comparado ao observado em países ricos: o apoio governamental ao crédito já soma 29,7% do PIB na Alemanha, 15,1% no Reino Unido, 13,1% na França, 10,2% no Japão, 10,1% na Espanha, 9% no Canadá e 6,1% nos EUA. O Brasil também perde nesse quesito para a Índia, Coréia do Sul e Singapura.

Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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