Coluna

Laura Carvalho

O que está por trás das diferentes propostas de renda básica

11 de junho de 2020

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A pandemia acelerou as transformações que alimentam o debate sobre a necessidade de um benefício universal para a população

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou na última terça-feira (9) que pagará mais duas parcelas de R$ 300 de auxílio emergencial durante a pandemia e que o governo lançará o Renda Brasil, um programa de transferência de renda mais abrangente que o Bolsa Família por incluir também trabalhadores informais. A notícia confunde um pouco mais o debate sobre programas de renda básica e suas formas de financiamento. Qual a diferença, por exemplo, entre a proposta de Guedes e os princípios da renda básica universal?

Para entender as origens do Renda Brasil é importante voltar à proposta de imposto de renda negativo feita em 1962 pelo economista de Chicago Milton Friedman. Nela, o benefício só é concedido às pessoas que ganham abaixo de um determinado patamar. Para as demais, cobra-se imposto de renda (daí a renda básica ser descrita como um imposto de renda negativo). De acordo com Friedman, o sistema seria uma forma mais eficiente e menos custosa de reduzir a pobreza do que tentativas de alterar o funcionamento dos mercados que poderiam gerar distorções, como o estabelecimento de um salário mínimo.

Já na renda básica universal, todos os cidadãos recebem um valor mensal alto o suficiente para colocá-los acima da linha de pobreza, sem a exigência de nenhum critério adicional para a elegibilidade. Mas o Estado transferir renda para quem já ganha muito não é injusto? Não se aqueles que têm renda maior pagarem alíquotas mais altas de imposto. Por isso a renda básica universal tem de ser pensada dentro de um pacote que envolve fontes progressivas de financiamento. Na prática, a proposta pode ter exatamente o mesmo efeito sobre a desigualdade que a do imposto de renda negativo se a estrutura de tributação tiver o mesmo grau de progressividade: quem ganha mais acabará devolvendo por meio do pagamento de impostos bem mais do que o valor do benefício. No entanto, os princípios que norteiam as duas propostas são muito distintos.

A essência da renda básica universal é de que o cidadão tem garantido o direito a não ser pobre independentemente de sua condição inicial, assim como tem direito à saúde ou à educação. Para poder usar o sistema público de saúde, por exemplo, o cidadão não tem de esclarecer se cuida bem da saúde, se tem doenças crônicas nem apresentar alguma informação relativa a sua história sob risco de não ser atendido.

A universalização de benefícios sociais é frequentemente defendida pelo alto custo de se identificar corretamente os mais pobres, o que poderia até tornar os benefícios universais mais baratos do que os focalizados em países com pouca capacidade administrativa e de monitoramento. A focalização do benefício, por outro lado, além de exigir menores recursos, ganhou apoio de economistas e executores de políticas públicas por sua maior eficiência na redução da pobreza e pelos efeitos de longo prazo da imposição de condicionalidades para o recebimento. O Bolsa Família, em particular, foi objeto de inúmeros estudos por conta dos efeitos positivos sobre os níveis de educação oriundos da imposição da frequência escolar das crianças.

Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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