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Laura Carvalho

Os efeitos da redistribuição de renda no PIB

18 de fevereiro de 2021

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Estudo mostra que uma mudança conservadora e fiscalmente sustentável em nossa estrutura tributária — o aumento da tributação dos mais ricos — pode contribuir para estimular a economia

Em nota publicada no dia 15 de fevereiro pelo Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades) da USP (Universidade de São Paulo), Rodrigo Toneto, Theo Ribas e eu buscamos quantificar , com base em dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um dos mecanismos por meio dos quais uma redistribuição de renda do topo para a base da pirâmide contribuiria para aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) no Brasil: a maior propensão a consumir dos mais pobres que dos mais ricos. A ampla repercussão em diversos portais de notícia de que “taxar ricos para financiar política social elevaria o PIB em 2,4% [segundo estudo da USP]” acabou levantando um intenso debate nas redes sociais sobre os efeitos de se aumentar a tributação dos mais ricos no país.

Começando pelo conteúdo de nosso estudo, que representa um pequeno passo na construção de um arcabouço macroeconômico que nos permita simular o impacto de diferentes propostas de mudança na estrutura dos impostos e dos gastos públicos no Brasil, a ideia foi somente mostrar que um pacote fiscalmente neutro que, de um lado, tribute altas rendas, para, de outro, expandir um programa como o Bolsa Família, pode ter impacto multiplicador no PIB via expansão no consumo das famílias. Em particular, estimamos a partir de pressupostos esclarecidos na nota que uma perda de R$ 1 de renda para o 1% mais rico acarretaria em redução no consumo de apenas R$ 0,24, enquanto o ganho de R$ 1 para os 10% mais pobres levaria a um aumento no consumo de R$ 0,87.

A partir das propensões a consumir estimadas para cada estrato, mostramos então que o sistema atual de tributação da renda e de concessão de benefícios sociais já exerce um impacto positivo significativo no nosso PIB. Da mesma forma, examinamos o efeito benéfico que o auxílio emergencial de 2020 pode ter tido no consumo, o que reforçou o resultado de nota anterior publicada pelo Made que, com base em outra metodologia, estimou que o auxílio reduziu em mais da metade a queda do PIB de 2020. Por fim, apenas como ilustração, simulamos o impacto de um aumento da alíquota efetiva de tributação da renda do 1% mais rico como forma de financiar R$ 125 per capita de transferência aos 30% mais pobres e encontramos um efeito potencial de 2,4% de aumento do PIB.

A ideia de acoplar os recursos obtidos com o imposto de renda progressivo às transferências sociais não é nada nova e tem crescido no debate sobre proteção social ao redor do mundo (da mesma forma em que a tributação de altos patrimônios vem sendo aventada como fonte de financiamento de medidas que equalizem oportunidades, tais como maiores gastos com educação, dotação universal de capital, etc). Conforme assinalei em coluna anterior , o último Monitor Fiscal do FMI (Fundo Monetário Internacional) propôs exatamente a tributação das altas rendas para expansão das transferências aos mais pobres como via de recuperação econômica pós-pandemia no caso dos países com maiores limitações à elevação da dívida pública.

Mas diante da alta repercussão dos potenciais benefícios de se tributar os mais ricos encontrados em nosso estudo, o principal contra-argumento levantado nas redes sociais foi o de que uma medida assim espantaria os ricos do país, prejudicando o crescimento econômico. Quanto a isso, é importante destacar que a nota não simula o estabelecimento de um imposto sobre grandes fortunas ou a elevação de impostos já existentes sobre patrimônio (IPTU, heranças, ITR, etc). A análise dos efeitos de se tributar mais a riqueza , que também é uma agenda importante (e complementar à da tributação progressiva da renda), envolve outros elementos e exigiria o trabalho com dados ainda indisponíveis.

Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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