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Os números do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados na quarta-feira (3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostraram que a economia brasileira caiu 4,1% em 2020. A queda é a mais profunda desde o início da série anual em 1996, mas foi muito menor do que a observada em outros países da América Latina, como Argentina e México, e do que a que chegou a ser projetada para o Brasil em meados do ano passado. “Em termos relativos, nós tivemos uma performance muito boa. É uma comemoração comedida, uma comemoração conservadora, no sentido de que a retração do PIB foi muito abaixo do que foi estimada”, vangloriou-se o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Faltou somente esclarecer que esse bom desempenho relativo se deu sobretudo pela destinação de recursos para o auxílio emergencial, muito maior do que o proposto pela equipe econômica no início da pandemia e do que está sendo desenhado para 2021.
Levando em conta sua prorrogação parcial até dezembro de 2020, o auxílio destinou um total de R$ 303,4 bilhões (ou 4,1% do PIB) às famílias brasileiras — um valor dez vezes maior do que o gasto com o Programa Bolsa Família no ano inteiro de 2019 e 20 vezes maior do que o custo estimado da proposta inicial do Ministério da Economia (de transferir apenas R$ 200 para um número muito menor de beneficiários). Embora não tenhamos ainda um estudo econométrico que examine o impacto no PIB dessa medida em particular, podemos estimar qual foi o tamanho do seu papel em atenuar a crise de 2020 a partir da literatura empírica existente sobre os efeitos multiplicadores de outros benefícios sociais no Brasil. É o que fizemos na Nota de Política Econômica 007 do Made-USP , o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo.
Se aplicamos esses multiplicadores, ou seja, o efeito de cada real gasto no Bolsa Família e outros programas de transferência de renda sobre o consumo das famílias e o PIB brasileiro, encontramos que a queda do PIB de 2020 teria sido de no mínimo 8% sem o auxílio emergencial — quase o dobro da queda observada. Essa é uma estimativa bastante conservadora: os altos efeitos multiplicadores de benefícios sociais destinados à metade mais pobre da população brasileira em uma situação de perda de renda como a vivenciada em 2020 sugerem que a economia poderia ter caído até mais do que os 11% projetados pela mínima do boletim Focus no final de junho. A nota do Banco Central estima que a prorrogação do auxílio no valor reduzido de R$ 300, que vigorou nos últimos meses do ano para o mesmo universo de beneficiários por quatro meses em 2021 (entre março e junho) já traria um crescimento do PIB no segundo trimestre 1,1% maior do que o projetado atualmente.
Mas não é isso o que está na mesa de discussão. Mesmo diante da explosão no número de mortes, que traz a necessidade de uma nova rodada de medidas de restrição ao funcionamento de atividades de serviço e comércio, e da lentidão na vacinação, a proposta em discussão no Congresso é a de limitar o total dos gastos com a prorrogação do auxílio em 2021 a R$ 44 bilhões, que passariam por fora do teto de gastos e outras regras fiscais. Isso representa menos de 15% do valor total destinado ao programa em 2020 e é 30% a menos do que custou o auxílio residual de R$ 300 concedido somente entre setembro e dezembro.
Não está claro ainda o desenho do novo programa (quem receberá o benefício, em que valor e por quanto tempo), mas a redução pela metade do valor transferido às famílias nos últimos quatro meses do ano passado já levaram ao aumento dos indicadores de pobreza e desigualdade. Essa crise social irá se agravar com um corte ainda maior no programa após as famílias ficarem sem pagamento algum entre janeiro e março. Dada a gravidade do cenário, o limite de R$ 44 bilhões parece também insuficiente para evitar que a economia brasileira entre em uma nova recessão no primeiro semestre deste ano. Mas como pagar por um programa mais amplo?
Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.
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