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Marta Arretche

Fila de vacinação: foi declarado o ‘salve-se quem puder’

08 de abril de 2021

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Agora, que ninguém espera do Ministério da Saúde uma liderança no combate à covid, vem perdendo força o argumento de que a compra de vacinas pelo setor privado implica competição com o setor público

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (7), o projeto de lei 948/21, que autoriza pessoas jurídicas a comprarem diretamente vacinas contra a covid-19 para aplicá-las privadamente.

É imprecisa a informação, veiculada na mídia, de que a lei apenas autoriza empresas a vacinarem seus empregados. A lei também autoriza pessoas jurídicas sem fins lucrativos (como, por exemplo, sindicatos, associações e fundações) a vacinarem seus associados. A lei é bem genérica quanto à natureza do vínculo entre a pessoa jurídica e a lista de potenciais vacinados. Estagiários, autônomos, empregados temporários e até terceirizados estão incluídos na lista dos elegíveis para as empresas privadas bem como associados ou cooperados, na das pessoas jurídicas sem fins lucrativos.

Não há dúvida de que não haverá mais fila de vacinação. Instaurou-se o “salve-se quem puder”. Toda pessoa jurídica (ou um consórcio delas) que puder comprar vacinas e aceitar doar metade para o SUS (Sistema Único de Saúde) poderá organizar sua própria fila. Se quiser respeitar a lei, é suficiente que vacine primeiro os grupos prioritários. A exigência pode ser respeitada na segunda-feira. Na terça-feira, já seria possível vacinar os não-prioritários.

Além disto, a versão aprovada na Câmara declara a irrelevância da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), pois autoriza a compra de vacinas que tenham obtido autorização por qualquer autoridade sanitária estrangeira reconhecida e certificada pela Organização Mundial da Saúde.

Caso venha a ser aprovada pelo Senado, na prática, a lei pode gerar boa dose de confusão e muito pouca efetividade nos controles. É deliberadamente imprecisa na definição da origem e do destino das vacinas a serem compradas privadamente.

Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

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