Coluna
Laura Carvalho
‘Bidenomics’: o novo paradigma econômico dos EUA se aplica ao Brasil?
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Combinado às medidas de alívio à crise da covid-19, aprovadas pelo Congresso norte-americano em março, o novo pacote de investimentos em infraestrutura do governo Biden vem sendo interpretado por diversos analistas como o fim de uma era na política econômica mundial: “um novo consenso de Washington nasceu”, resumiu Martin Sandbu em artigo para o jornal britânico Financial Times. Mas para além do tamanho desses pacotes, que juntos somam US$ 4 trilhões, em que medida podemos falar de uma mudança de paradigma na forma de pensar a macroeconomia e a atuação do Estado? Por outro lado, esse novo paradigma seria aplicável ao Brasil?
Enquanto o primeiro pacote aprovado em março é orientado para demandas mais imediatas associadas à pandemia (sobretudo na área da saúde e proteção social), o novo pacote – que ainda não sabemos se ou como passará no Congresso – pode ser compreendido não apenas como um plano de recuperação pós-pandemia com alto potencial de geração de renda e empregos, mas também como primeira etapa de uma agenda de longo prazo que traz para o centro da política econômica as desigualdades e as mudanças climáticas.
Para além da construção de pontes e estradas, os investimentos em infraestrutura incluem a instalação de estações de recarga para carros elétricos nas cidades; sistemas de distribuição de água mais eficientes; instalação de redes de internet de alta velocidade; a reforma de moradias e prédios para uso mais eficiente de energia, entre outros itens voltados à transição para uma economia de baixo carbono. Além de contribuir para superar desafios de longo prazo, tais investimentos têm alto potencial de geração de empregos no curto prazo, sobretudo no setor da construção civil. O plano prevê ainda a destinação de recursos ao desenvolvimento científico e tecnológico voltados para as “tecnologias do futuro” e os novos métodos para lidar com a crise climática. Quando somada à valorização da ciência e da pesquisa e desenvolvimento, o uso de compras públicas como instrumento de política industrial previsto no plano pode devolver à indústria norte-americana seu antigo protagonismo na corrida tecnológica – hoje reduzido face à concorrência chinesa.
Por fim, o programa também inclui a extensão de benefícios sociais infantis e recursos voltados ao cuidado de idosos e pessoas com deficiência. As medidas voltadas à economia do cuidado são caracterizadas pelos formuladores do plano como parte do que se entende como “infraestrutura humana” – um eixo que ganhou importância em meio às necessidades trazidas pelo envelhecimento populacional, de um lado, e à perda de empregos pelo processo de automação e outras transformações estruturais no mercado de trabalho, de outro. Ao compartilhar com as famílias o custo dos serviços de cuidado, o Estado gera empregos e valoriza trabalhadores com qualificação relativamente mais baixa nessa área ao mesmo tempo em que aumenta a participação na força de trabalho de quem hoje é obrigado a exercer essas atividades – sobretudo mulheres –, elevando o potencial de crescimento da economia.
A “Bidenomics”, como já está sendo chamada a visão econômica que fundamenta o desenho do pacote em contraste com a “Reagonomics” que de forma mais ou menos acentuada vigorou nos EUA desde os anos 1980, pode ser entendida a partir de alguns princípios básicos. Primeiro, pelo papel dos gastos e investimentos feitos diretamente pelo governo ao invés dos incentivos ao setor privado por meio de desonerações de impostos e outros instrumentos que marcam a era do “trickle-down economics”.
Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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