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O presidente Bolsonaro não tem escolha. Como deputado, foi um crítico do Bolsa Família. Declarou não poucas vezes considerar o programa uma estratégia de compra de votos por parte dos governos do PT. A estratégia seria até mesmo desanimadora, pois o governo (no caso, o PT) já entraria na competição com 30 milhões de votos de vantagem. Como candidato à Presidência nas eleições de 2022, Bolsonaro acaba de submeter à Câmara dos Deputados uma medida provisória propondo a criação do Auxílio Brasil, um programa que, caso venha a ser implementado, promete pagar benefícios mais elevados para um número maior de beneficiários. Com a apresentação desta Medida Provisória, Bolsonaro pretende ser mais petista que o próprio PT.
A verdade é que o presidente não tem escolha. Colhe nas pesquisas de intenção de voto os frutos de seu próprio (des)governo. Pesquisa da Genial/Quaest levada a campo entre 29 de julho e 1º de agosto revela que 44% dos eleitores desaprovam seu governo. A taxa agregada esconde, entretanto, importantes variações. O presidente não é tão mal-avaliado no Centro-Oeste (onde melhorou sua aprovação em 12 pontos percentuais desde julho) e na região Sul (onde apresenta ligeira recuperação). Entretanto, sua taxa de desaprovação nas regiões de maior concentração eleitoral é muito alta: 56% no Nordeste e 43% no Sudeste. Nestas regiões, há grande concentração de pobres. A pesquisa da Genial/Quaest aponta que a reprovação a Bolsonaro é de 45% entre os eleitores com ensino fundamental incompleto e de 49% entre aqueles que declaram receber até 2 salários mínimos de renda mensal.
Não fosse suficiente o número de eleitores pobres como incentivo para sua guinada pragmática, Bolsonaro tem como principal competidor um candidato cuja imagem está indelevelmente associada ao Bolsa Família. Nas eleições de 2022, os eleitores pobres devem comparar Bolsonaro com Lula, avaliando retrospectivamente suas condições de vida sob os dois governos. Para ser competitivo, Bolsonaro precisa bater Lula em seu próprio terreno. Precisa atingir mais eleitores com mais recursos.
Não se sabe, contudo, se a aposta de Bolsonaro dará certo. Caso consiga implementar seu Auxílio Brasil (o que ainda não está garantido), é pouco crível a hipótese de que eleitores votem por gratidão. Se votam racionalmente e com base em cálculos de natureza econômica, votam pensando no futuro. Avaliam o desempenho pregresso dos candidatos e projetam como seria sua vida sob seus potenciais governos. Nesta dimensão, devem avaliar qual candidato lhes oferecerá melhores garantias de continuidade do programa.
Bolsonaro não poderá dirigir-se aos eleitores pedindo votos para garantir a sobrevivência do Auxílio Brasil. Não pode disputar a eleição divulgando a ameaça de que este seria descontinuado sob Lula. Esta ameaça simplesmente não seria crível. Por sua própria história como presidente, Lula representa a expansão de programas sociais, não sua retração. Não há boas razões para crer que os beneficiários do Auxílio Brasil se sentiriam ameaçados pela provável vitória de Lula.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
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