Coluna

Luciana Brito

Independência ou morte para quem? Os significados dessa tal liberdade

06 de setembro de 2021

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Neste 7 de Setembro, aqueles que tomam para si a data para defender um projeto de ‘liberdade’, na verdade, sabem muito bem que defendem um projeto, ao invés de amplo, bem particular e restritivo

Quando gritaram “liberdade, igualdade e fraternidade”, na França revolucionária de 1789, pessoas negras já estavam sendo escravizadas nas Américas havia mais de dois séculos. Essas pessoas, africanas e seus descendentes nascidos nas Américas, já gritavam por liberdade e, quando não gritavam, reivindicavam-na de formas silenciosas, que também tiveram força de revolução. Mas o grito francês de liberdade, quando chegou no Haiti, embora não fosse novidade, marcaria a falsa impressão de que, a partir daquele momento, o mundo ocidental também estaria comprometido com o fim da escravidão.

A liberdade, como esse “mal-entendido” no sentido de ter diferentes significados e como um patrimônio de todas ou poucas pessoas, foi o estopim da revolta do Haiti, que desembocou na Independência do país e na abolição da escravidão, sob liderança de pessoas negras, em 1791.

Mesmo antes, em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos também já havia gerado outra “confusão” parecida. Quando os pais fundadores da nação escreveram que “todos os homens são criados iguais, dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis”, entre os quais estavam os direitos “à vida, à liberdade e à procura pela felicidade”, isso também não incluiria as pessoas escravizadas daquele país.

No Brasil, a liberdade como direito inalienável, e a resistência ao cativeiro como marca de uma condição humana, também não era um discurso que cabia para todo mundo, sob o olhar das elites locais. Quando supostamente gritou “independência ou morte”, em 1822, Pedro 1º dava um grito de liberdade na sua condição de homem branco europeu, herdeiro da coroa portuguesa. E embora dissesse que estava disposto a morrer por isso, não precisava de tanto, pois aquela liberdade pela qual gritava não custaria sua vida. No final das contas, depois daquele dia, o Brasil continuou a ser uma nação escravista e monarquista, e Pedro 1º, que abdicaria do seu trono em 1831, viveria por mais 12 anos depois da Independência, sendo abatido pela tuberculose, e não em campo de batalha.

Mesmo antes dele, outras e outros já reivindicavam liberdade no Brasil, em revoltas duramente reprimidas pela própria monarquia. Depois do 7 de setembro de 1822, também, pessoas pobres, escravizadas, homens e mulheres, tiveram que terminar o serviço inacabado por Pedro 1º e lutar por sua própria conta para pôr fim aos últimos suspiros e aspirações coloniais portuguesas no Império. Enquanto na capital do Império o Brasil já era independente, na Bahia isso só aconteceu em 2 de julho de 1823 porque o povo assim o quis.

Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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