Coluna
Cristina Pinotti
Brasil: entre castas e beijos, o autoritarismo segue ignorado
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Há intrincada inter-relação entre o surto pandêmico descontrolado que estamos vivendo e os ataques contínuos às instituições democráticas no país. Enquanto nos aproximamos de meio milhão de mortes pela covid-19, com morosidade inaceitável na vacinação da população, acumulam-se evidências de retrocessos institucionais graves, diligentemente urdidos (e armados) para minar as bases da democracia e garantir a permanência de Bolsonaro no poder.
A epidemia dificulta a reação da sociedade e gera grandes contingentes de perdedores, que vão desde os pequenos e médios empresários de setores mais afetados pelo afastamento social, até os mais de 27 milhões que estão desempregados, ou desalentados, ou subocupados. Manipular esse descontentamento através da insistência em mentiras, do estímulo à desobediência às regras e do incitamento à maior polarização, escancara o uso político da tragédia sanitária que nos assola.
Não há dúvida sobre o tamanho do desafio que temos à nossa frente para defender a democracia, mas desistir não é opção. Não é a primeira vez, e nem será a última, que um país é colocado diante de situações dramáticas como a nossa, e o avanço sobre as forças obscurantistas do passado se consolida tanto através de ações individuais como coletivas.
A propósito, foi enriquecedor revisitar a história da longeva médica e cientista italiana Rita Levi-Montalcini (1909-2012), um exemplo de resistência, sucesso e lucidez. Passou pelos momentos mais monstruosos do século passado e, sendo judia, foi perseguida pelas leis raciais (1938) de Mussolini e, durante a Segunda Guerra, pelos nazistas. Salvou-se trocando de esconderijos em cidades e vilas da Itália, mas nunca abandonou a sua paixão pela pesquisa científica, tendo transformado seus sucessivos quartos, ou cozinhas, em laboratórios improvisados.
A partir de ovos de galinha, mesmo escassos durante a guerra, investigava a substância que controlava o crescimento de fibras nervosas em embriões, pesquisa que nunca abandonou e que abriu o caminho para a compreensão de doenças degenerativas, como o mal de Alzheimer e o câncer. Pelo seu trabalho recebeu em 1986 o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina junto com o bioquímico Stanley Cohen. Foi nomeada senadora vitalícia da Itália em 2001, pela sua atividade científica e social.
Cristina Pinottié graduada em administração pública pela EAESP-FGV e cursou o doutorado em economia na FEA-USP. É sócia da A.C. Pastore & Associados desde 1993. Antes trabalhou nos departamentos econômicos do BIB-Unibanco, Divesp e MB Associados. Concentra seus trabalhos na análise da macroeconomia brasileira, com ênfase em temas da política monetária, relações do país com a economia internacional, e planos de estabilização. Nos últimos anos tem se dedicado ao estudo da teoria da corrupção e da história da operação Mãos Limpas, na Itália. É autora de diversos artigos e livros. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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