Coluna

Alicia Kowaltowski

Por que desfinanciar a ciência é péssima economia

03 de novembro de 2021

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A declaração de Paulo Guedes sobre Marcos Pontes pode ser classificada como o sujo falando do mal-lavado

Na semana passada, soubemos que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, de “burro”, ao criticá-lo por não utilizar recursos da sua pasta. Infelizmente não posso dizer que Pontes tenha encontrado muita simpatia em relação a esse episódio dentre a maioria dos cientistas brasileiros, embora essa acusação específica fosse injusta.

O engenheiro e tenente-coronel da Força Aérea Brasileira se tornou localmente conhecido em 2006 ao ser o 444º humano a ir para o espaço e passar 10 dias na Estação Espacial Internacional, em uma viagem que custou US$ 10 milhões ao então governo Lula . Ao voltar, sumiu dos noticiários rapidamente, entrou para a reserva, se mudou para os EUA e endossou a venda de ditos “Travesseiros da Nasa”, que, previsivelmente, não eram produzidos pela Nasa. Não são exatamente qualificações estrelares para ser nomeado em 2018 como ministro, mas o Pontes não somente foi apontado, como conseguiu permanecer no cargo até a presente data. O fez ao se tornar praticamente invisível em suas ações (questiona-se dentre nós cientistas se ainda estaria perdido no espaço) além de ocasionalmente se dobrar aos mandos do presidente, incluindo propagandear supostos tratamentos para covid sem respaldo científico . Em um exemplo grave de seus dobramentos aos mandos do presidente, Pontes assina junto a Guedes e Bolsonaro a Lei Complementar 177/2021 , onde se veta o descontingenciamento do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), contrariando a vontade ampla do congresso de se liberar cerca de R$ 7 bilhões deste fundo para impulsionar a ciência e tecnologia nacional. Um ministro que assina a contingência de verbas para sua própria pasta certamente não ganha admiração dos cientistas nacionais.

Mesmo perante essas ações inacreditáveis, a declaração de Guedes em relação a Pontes é, minimamente, o sujo falando do mal-lavado. Isso porque, se o líder do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), paradoxalmente, não tem defendido adequadamente o investimento em ciência e tecnologia, o ministro da Economia certamente não pode se vangloriar de sua inteligência econômica. Isso se demonstra não somente pela sua assinatura no veto ao descontingenciamento do FNDCT, mas também na sua recente ação de remover R$ 600 milhões já destinados ao MCTI e em processo de seleção de projetos. Essa manobra fez até mesmo o resignado Pontes se expressar em relação à “falta de consideração” do ocorrido. O resultado é que o orçamento para pesquisa científica nacional, que sempre foi muito baixo e ainda assim já era o menor do milênio em 2021, foi agora cortado em inconcebíveis 90% , sendo atualmente praticamente inexistente.

Essas ações repetidas de Guedes contra a ciência nacional são comprovação de sua falta de conhecimento de economia. Há ampla evidência de que pesquisa científica e inovação impulsionam desenvolvimento econômico, e que conhecimento é a maior riqueza que uma nação pode ter. De fato, o retorno de investimentos em pesquisa em desenvolvimento nos EUA é estimado em 67%, alcança 88% no conjunto de países do G7 e chega a 159% na média dos 37 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Um investimento com essa taxa de retorno nunca deveria ser ignorado, muito menos ativamente coibido, por um bom economista. E esta estimativa é apenas uma base, que pode ser multiplicada ao se calcular fatores de ampliação secundária do investimento em ciência, como por exemplo o aumento da qualidade de vida e capacidade de trabalho produtivo da população em decorrência do ganho em saúde resultante. Incluindo estes fatores, estima-se que investimento em ciência renda internacionalmente de R$ 4 a R$ 30 para cada real investido.

Tudo isto vem a demonstrar novamente que o financiamento público da ciência básica (a que mais traz inovações, por atuar na fronteira do conhecimento, mas a que menos atrai investimento privado por não ter aplicabilidade imediata) deve ser a base de recomposição econômica de uma nação com visão de futuro . O problema de investimentos em ciência é que seus resultados só são visíveis a longo prazo, e é este provavelmente o motivo pelo qual o Guedes vê sem consequências a aniquilação do financiamento científico nacional agora. Imagino que acredite que até notarmos as consequências deste verdadeiro golpe contra a ciência nacional, quando tivermos que importar todo nosso conhecimento e tecnologia de ponta por falta completa de soberania científica nacional, pagando caro por isso, já teremos esquecido a origem desta lacuna.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

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