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Luciana Brito

Uma câmara de gás em Sergipe: o que mais estamos esperando?

31 de maio de 2022

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Através dos excessos da violência policial, temos testemunhado, quase que passivamente, espetáculos públicos de horror

São 23h e eu não posso mais postergar a escrita deste texto. A cada chacina (e foram tantas), é assim que tenho reagido: já que em algum momento terei que me informar sobre o ocorrido, procuro evitar a realidade até ela se tornar inevitável. Assim, muitas vezes, o limite é a escrita do artigo para esta coluna. Geralmente, as notícias chegam pelas mídias sociais: foi assim, pelos feeds de notícias do Instagram, que tomei conhecimento da chacina na Vila Cruzeiro no dia 24 de maio… mais uma. Dessa vez, mais de 20 pessoas mortas. Lembrei-me da chacina da Gamboa, que matou três aqui em Salvador em fevereiro deste ano. E como não lembrar do Cabula, em 2015?

Lá vamos nós, de novo, contar corpos que não serão os últimos.

Quando mal decidi buscar as notícias sobre a chacina na Vila Cruzeiro, comecei a receber as notícias de que um homem tinha sido morto pela Polícia Rodoviária Federal, e que dessa vez fizeram uma câmara de gás dentro de uma viatura para matá-lo. Quando decidi ver o vídeo, a cena pareceu-me, como a tantas e tantos de nós, algo inacreditável. Choca a (quase) qualquer ser humano a forma escolhida para a morte de Genivaldo, ali mesmo numa via pública, tanto pela perversidade da corporação quanto pela dos seus promotores, que duplamente como agentes do Estado e como indivíduos, assustam pela crueldade.

Quando em 17 de maio eu escrevi um artigo aqui no Nexo alertando para os perigos das ideias supremacistas brancas que estavam circulando na América e como essa naturalização do racismo e da violência poderia impactar no aumento da violência contra as populações negras no Brasil, eu não imaginava que na semana seguinte já teríamos exemplo disso. Aliás, os efeitos da política de armas nos Estados Unidos deixaram vítimas fatais lá mesmo na semana seguinte, no estado do Texas: 19 crianças mortas e duas professoras, todas elas pessoas de origem latina (inclusive o assassino), foi o que percebi pelas fotografias e pelos sobrenomes impressos nas cruzes que homenageavam as vítimas.

Mas voltando ao Brasil, no mesmo texto afirmei que teorias como aquela da “grande substituição”, que inspirou o assassino de Buffalo (EUA), sustentam-se na mesma ideia: a da supremacia branca, que também orienta grupo neonazistas, que só no Brasil cresceram 270% nos últimos três anos. Aqui temos visto de tudo, até professor andando por uma escola no interior de São Paulo usando vestes da Ku Klux Klan , organização que aterrorizou a população negra do sul dos Estados Unidos no pós-abolição, promovendo linchamentos, enforcamentos, estupros, incêndios de cidades negras inteiras e toda sorte de violência.

Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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