Temas
Compartilhe
Aproxima-se o 7 de Setembro e, com ele, reiteram-se os temores de que Bolsonaro aproveite a data cívica para retroceder o relógio político e instaurar um regime em que seu governo estaria dispensado do consentimento da maioria dos eleitores. Não se trata de paranoia. O temor deriva dos fatos. No ano passado, os bolsonaristas estavam preparados para um golpe, a ser desencadeado na data cívica de comemoração da Independência, que contaria com apoio do Exército, das polícias militares e dos caminhoneiros.
Neste ano, não é novidade para ninguém que Bolsonaro busca apoio para não aceitar a (altamente provável) derrota eleitoral nas eleições de outubro. Vai contestar o resultado, de forma certamente mais contundente que Aécio Neves. Vem estimulando sua base eleitoral a não reconhecer a derrota assim como tem vinculado o Exército a essa estratégia. Causa preocupação o sistemático questionamento do processo eleitoral por parte do ministro da Defesa, com o tácito silêncio do presidente da Câmara dos Deputados e do Procurador-Geral da República. Se silêncio e cumplicidade podem andar juntos, poder-se-ia esperar potencial participação ativa destes atores no golpe.
O fato, contudo, é que a conspiração golpista de 7 de Setembro de 2021 foi um fiasco. Em Brasília, Bolsonaro inflamou contra o STF (Supremo Tribunal Federal) uma praça lotadíssima de apoiadores e declarou que a partir daquele dia “uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil”. Em São Paulo, em manifestação de tamanho similar, declarou vislumbrar apenas três cenários para sua saída da Presidência da República: “preso, morto ou vitorioso”. Entretanto, nas cenas seguintes da anatomia do golpe, os tanques do Exército não apareceram, as polícias militares não aderiram e parte dos caminhoneiros ficou à deriva na madrugada do dia 8, tentando bloquear estradas. O desacerto foi tão grande que até mesmo sua mensagem aos caminhoneiros, abortando a missão, foi confundida com fake news. Seu filho Eduardo estava errado: derrubar instituições requer bem mais que um cabo e um soldado.
Imaginemos que o último trimestre deste ano confirme as previsões golpistas. Lula vence as eleições em primeiro ou segundo turno e o resultado eleitoral é confirmado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas Bolsonaro, seus apoiadores e as Forças Armadas não aceitam a posse de Lula, alegando fraude com participação ativa dos membros do STF. A pergunta é: que condições seriam necessárias e suficientes para um presidente derrotado nas urnas ser empossado? A sobrevivência do regime militar requereu evitar a derrota eleitoral. Sua derrocada ocorreu quando, em eleições plebiscitárias, o partido do regime perdeu suporte eleitoral. Que história precisaria ser contada para convencer a maioria dos eleitores de que a fraude tenha sido seletiva, isto é, a soma dos votos de uma mesma cédula eleitoral teria sido manipulada para o Executivo federal e não para as demais candidaturas?
Na hipótese (pouco provável) de que o derrotado seja empossado, quanto tempo duraria este governo ilegítimo? Que condições seriam necessárias para dar sobrevida a um governo que não seria beneficiado pela “lua de mel eleitoral” (fase do ciclo eleitoral imediatamente posterior à eleição em que um governo vitorioso tem maiores taxas de apoio político) e prejudicado por sua própria herança na área fiscal e econômica?
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas