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Sabemos das desigualdades do Brasil, de sua economia errática e da história de violência e opressão que enraizou o racismo contra negros e indígenas. Mas há de se reconhecer que, em especial a partir da redemocratização em meados dos anos 1980 e uma enorme mobilização da sociedade civil e dos movimentos populares, conquistamos importantes vitórias nos últimos 40 anos. Todo o debate da Constituinte e a construção de um projeto de país baseado numa agenda ampla de garantia de direitos civis, sociais, econômicos, ambientais e humanos foi uma realidade viva, sobre a qual reerguemos a nossa democracia, que agora se encontra novamente tão ameaçada e fragilizada.
Naquele momento, o Brasil estava deixando para trás um período obscuro e buscava luz. Lideranças sociais, políticas, religiosas e jurídicas se uniram em um grande pacto que culminou na Constituição de 1988, seguida de avanços indiscutíveis, como a aprovação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a ampliação do acesso à educação pública, a universalização do sistema de saúde e a estabilização econômica.
Em pouco mais de 25 anos, quase todas as crianças estavam na escola, como mostra relatório do Todos pela Educação ; a mortalidade infantil caiu quase 70% entre 1990 e 2015, de acordo com informações do Datasus , e segundo o Banco Mundial , entre 1990 e 2009, a renda de 60% dos brasileiros cresceu, feito que elevou o Brasil, naquela época, a ser referência no combate à extrema pobreza. Esses indicadores, acompanhados de muitos outros, refletiam que, mesmo com todos os problemas históricos e as feridas ainda abertas, era possível trilhar um caminho de prosperidade para a nação.
No entanto, nos últimos sete anos o país viu crescer uma onda de retrocessos em áreas essenciais para a democracia e o desenvolvimento sustentável, com efeitos devastadores nas populações mais vulneráveis, incluindo crianças e adolescentes. Justamente aqueles e aquelas que deveriam ser protegidos e ter seus direitos garantidos com absoluta prioridade, pois são quase um terço da nossa população e representam o nosso presente e o nosso futuro.
Como o país vai crescer se não investir em suas gerações mais jovens?
Por todos os cantos do país, de Norte a Sul, há uma piora na qualidade de vida das famílias brasileiras. Essa piora, além de agravada pelos efeitos da pandemia da covid-19, também foi desencadeada pela desconstrução e pelo enfraquecimento de políticas sociais estruturantes. Exemplo evidente disso é a redução gradual da cobertura vacinal de crianças: em 2018, o Brasil perdeu o certificado de eliminação do sarampo, e dados da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) apontam que cerca de 23 milhões de crianças menores de 1 ano não receberam as vacinas básicas, maior número desde 2009. A quantidade de crianças completamente não vacinadas aumentou em 3,4 milhões.
Esses números não são apenas números.
Outro retrato triste e emblemático é o aumento da insegurança alimentar. Segundo a Rede Penssan , atualmente mais de 33 milhões de brasileiros passam fome. Um a cada quatro domicílios que têm entre seus moradores ao menos três meninas e meninos com até 18 anos de idade convive com insegurança alimentar em um grau de moderado a grave – ou seja, nessas casas crianças e adolescentes não têm o suficiente para comer.
De novo: esses números não são apenas números.
Como o país vai crescer se não investir em suas gerações mais jovens? Como meninas e meninos vão se desenvolver plenamente sem saúde, educação de qualidade, comida no prato, moradia adequada, meio ambiente equilibrado?
Falar da garantia dos direitos de crianças e adolescentes não é tratar apenas dos interesses de uma parcela da população – mesmo que essa parcela represente nada menos que 70 milhões de pessoas, segundo dados da Fundação Abrinq . Trata-se de assegurar também que tenhamos um país mais justo, inclusivo, sustentável e democrático. Um Brasil melhor, com mais oportunidades para todas as pessoas.
A liderança política que vencer a eleição de 2022 e assumir a Presidência da República tem uma dívida com as nossas infâncias e adolescências e precisa fazer cumprir o que está na Constituição Federal, aquela construída a muitas mãos e pactuada pela sociedade brasileira. Ali, o artigo 227 diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Isso é o que inspira e dá esperança ao movimento Agenda 227, que reúne mais de 320 organizações da sociedade civil para colocar os direitos das crianças e adolescentes no centro do debate público e político sobre o projeto que queremos como nação para o Brasil.
Um país com potencial para se manter entre as dez maiores economias do mundo não pode ser condenado a um processo de reprodução cíclica geracional de pobreza, desigualdade e miséria. O jeito mais eficiente de quebrar essa lógica perversa é investir dinheiro, cuidado e atenção nas nossas crianças e adolescentes.
Na coluna da Agenda 227, você encontrará reflexões e propostas efetivas para transformar o Brasil a partir da perspectiva dos direitos das crianças e dos adolescentes. Afinal, como costumamos dizer na Agenda 227, um país que cuida de suas infâncias e adolescências, é um país bom para todos nós.
Ana Potyara Tavares é advogada e diretora administrativa financeira da ANDI – Comunicação e Direitos. Foi coordenadora-adjunta da Rede Nacional Primeira Infância (2018-2021) e atualmente é membro da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB/SP. Integra a equipe executiva do movimento Agenda 227.
Renato Godoy é gerente de relações governamentais do Instituto Alana. É mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo, bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero. Possui especialização em Advocacy e Políticas Públicas pela Fundação Getulio Vargas. Integra a equipe executiva do movimento Agenda 227.
Agenda 227é um movimento apartidário da sociedade civil brasileira que tem como objetivo colocar crianças e adolescentes no centro da construção de um Brasil mais justo, próspero, inclusivo e sustentável para todos, a partir da concretização da prioridade absoluta garantida à população de 0 a 18 anos pelo artigo 227 da Constituição Federal.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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