Coluna

Januária Cristina Alves

Jovens e redes: uma relação de companhia e pertencimento

01 de setembro de 2022

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É na internet que crianças e adolescentes estão buscando apoio emocional e tal fato só amparou numericamente uma preocupação que há tempos tem tirado o sono de pais e educadores

Pesquisas sobre a relação dos jovens com a internet e em especial, com as redes sociais, têm sido divulgadas com bastante frequência, tanto aqui no Brasil como no mundo. E elas têm revelado o que olhos atentos ao que acontece ao nosso redor já sabiam: eles estão cada vez mais conectados e é nas redes que estabelecem relações de confiança e parceria. Portanto, talvez não tenha sido tão surpreendente para esse tipo de pais e educadores os dados revelados pela pesquisa TC Kids Online Brasil, divulgada no 7º Simpósio Crianças e Adolescente na Internet, promovido pelo NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) e pelo CGI.br, e correalizado por Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP, Instituto Alana e Safernet Brasil.

Pela primeira vez, a pesquisa – que é realizada anualmente desde 2012 e é uma referência quando se trata de analisar o comportamento digital infantojuvenil – incluiu o tema da saúde mental em seu levantamento, dado os prejuízos causados às crianças e jovens na pandemia. O resultado foi que 32% das crianças e adolescentes pesquisados procuraram apoio emocional na internet. A faixa etária dos 11 aos 17 anos foi escolhida para se investigar essa questão, e a pergunta lançada foi: “já usou a internet para procurar ajuda quando aconteceu algo ruim com você ou para conversar sobre suas emoções quando se sentiu triste?”. Dentre os 32% que responderam “sim”, as meninas eram 36% e os meninos, 29%. O levantamento revelou também que o uso da rede para falar sobre o que vivenciaram foi reportado por 46% dos entrevistados entre 15 e 17 anos, 28% entre os de 13 e 14 anos e 15% para aqueles com idades de 11 e 12 anos. Nesse caso, os números não mentem: é nas redes que as nossas crianças e jovens estão buscando apoio emocional e tal fato só amparou numericamente uma preocupação que há tempos tem tirado o sono de pais e educadores, que se perguntam, incessantemente, o que esse público encontra na rede que não está encontrando em casa e na escola.

Sabemos que o conceito de juventude e adolescência é uma invenção moderna. Segundo a professora de literatura especializada em jovens Teresa Colomer a adolescência “é a representação moderna de uma etapa de vida formada a partir da extensão dos estudos secundários a toda a população e do atraso da independência familiar e social”. Para ela, a adolescência surge por conta de uma mudança de mentalidade, ou seja, trata-se da “passagem de um modelo de identificação, em que meninas e meninos reproduziam a trajetória dos adultos, a um modelo de experimentação, um tempo separado da ‘vida real’”. Segundo a escritora, essa visão histórica nos ajuda a compreender algumas condutas dos jovens, como sua necessidade de reconhecimento e a busca por gratificação por parte de um grupo que partilha as mesmas práticas culturais. Assim, é possível explicar porque, como disse Luísa Adib, do Cetic.br e do NIC.br, na mesa de apresentação da pesquisa, “a internet é um espaço no qual crianças e adolescentes se sentem mais à vontade para falar de emoções”. Ou seja, é lá que encontram seus pares e ali compartilham suas dúvidas, dores, conquistas e o desejo de serem reconhecidos como indivíduos únicos e singulares. A tribo está online e os jovens precisam dela para confrontarem-se e discutir o que está acontecendo com eles.

Em um mundo BANI – sigla em inglês para frágil, ansioso, não-linear e incompreensível – como esse em que os jovens estão inseridos: “…o adolescente procura recolher os fragmentos de sua individualidade a partir das histórias de outras pessoas: familiares, amigos, professores, figuras de admiração”, afirma Freddy Gonçalves da Silva em seu livro “A nostalgia do vazio: a leitura como espaço de pertencimento dos adolescentes” (Ed. Solisluna). Ou seja, é na internet que esse público está encontrando uma possibilidade de conexão e de participação que vem sendo solapada nos espaços offline. Segundo a professora e pesquisadora Issaaf Karhawi, autora do livro “De blogueira a influenciadora: etapas da profissionalização da blogosfera da moda brasileira” (ed. Sulina), “a própria organização das redes, pensando-se em arquitetura da informação, está baseada em formas de reunir a atenção dos sujeitos” e é por conta de um ambiente que, por princípio, é mais inclusivo, que facultou-se a “possibilidade de participação de um setor da população que, sem ele, não teria como projetar sua voz”. Ser visto e ouvido é tudo o que se quer, ainda mais se somos jovens, com a nossa personalidade em formação.

Se os jovens não conseguirem se apropriar da sua linguagem e construir a sua identidade, continuarão a buscá-la na internet, sujeitos a dar de cara com falsidades e desinformação

É claro que o fato de 32% dos adolescentes da pesquisa terem preferido buscar ajuda emocional na internet não pode ser reduzido à evidência de que o mundo online tornou-se o espaço de convivência predileto desse público e que é lá que muitos têm a possibilidade de se expressar e compartilhar quem são e o que pensam. A análise deve ser mais abrangente, dado que a questão é complexa e multifacetada. Porém, é preciso atentar para este fato como mobilizador para pensarmos onde estamos como mediadores entre essa população e o mundo em que vivemos. E isso implica em compreendermos a importância de oferecermos diferentes modelos e possibilidades de conexão entre nós, adultos, e eles, e também entre eles mesmos, como jovens que são. A construção da identidade se dá nessas interações. Como diz Freddy, “apropriar-se do eu numa sociedade do consumo é um privilégio que custa dinheiro e exposição. O pronome social do adolescente participa do jogo social. Hoje em dia, você deve não somente apelar para a criatividade para ser alguém diferente, como tem de acreditar cegamente em sua estética, em sua forma de falar de si. O adolescente resiste. O mundo moderno se constrói nesse ‘entre aqui e acolá’”.

É preciso que ofereçamos aos jovens, seja no universo on ou offline, possibilidades para a construção daquilo que Sara Bertrand, escritora chilena autora do livro “Patos e lobos marinhos: conversas sobre literatura e juventudes” (Solisluna/Selo Emília), define como o grande papel dos jovens, que é “bater nas bordas, estender as fronteiras, ir além dos limites e preconceitos, (…) porque ser jovem é despertar para o discurso; é romper as bordas de uma narrativa com a qual eles foram recebidos durante a infância, para encontrar uma linguagem própria”. Se eles não conseguirem se apropriar da sua linguagem, desafiá-la e, portanto, construir a sua identidade, continuarão a buscá-la na internet, sujeitos a dar de cara com falsidades e desinformação de todo tipo, mas sobretudo, seguirão tal como Peter Pan, o menino que não queria crescer e desejava permanecer na “Terra do Nunca”. Crescer e amadurecer tem a ver com a negociação saudável entre o poder e a autonomia e isso é um exercício que deve ser feito cotidianamente com mediação e, de preferência, no mundo real.

Januária Cristina Alvesé mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews - Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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