Coluna
Januária Cristina Alves
As notícias que queremos ler, ouvir, ver e… escrever
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No dia internacional da notícia – celebrado no mundo inteiro em 28 de setembro – a primeira coisa que me veio à cabeça logo que me dei conta da data foi a pergunta: se a gente pudesse escolher, que notícias leríamos (ouviríamos ou veríamos) nas mídias que acessamos? A resposta não me pareceu difícil, uma vez que as notícias espelham o mundo em que vivemos, ainda que seja um mundo editado, recortado por interesses que vão da subjetividade do jornalista ao compromisso com o anunciante da mídia, passando pelos vieses de confirmação das bolhas de toda a cadeia que produz os conteúdos até, quem sabe, ao que se chama de “interesse do leitor”. A matéria-prima da notícia é a realidade, mas a realidade, sabemos (e as fake news nos lembram disso diariamente), tem muitas nuances e cada um a enxerga segundo o seu prisma.
Isto posto, não é incorreto afirmar que todos nós, habitantes deste planeta, somos construtores de notícias, porque somos arquitetos da nossa história. E cabe a cada um de nós, então, escolher a notícia que queremos dar, ou melhor, fazer acontecer os fatos que comporão essa notícia, que, nesse sentido, é sempre uma criação conjunta de toda a humanidade. Aos 20 anos, o nosso autor maior, Machado de Assis, escrevia uma crônica que celebrava a importância do jornal – único portador de notícias à época – como “um resultado favorável ao pensamento democrático”, comemorando o elo indissociável entre imprensa e democracia, que para ele ficava cada dia mais claro. Dizia, em um texto publicado originalmente no jornal “O Espelho”, em 23 de outubro de 1859: “Houve uma coisa que fez tremer as aristocracias, mais do que os movimentos populares; foi o jornal. Devia ser curioso vê-las quando um século despertou ao clarão destefiat humano; era a cúpula de seu edifício que se desmoronava. Com o jornal eram incompatíveis esses parasitas da humanidade, essas fofas individualidades de pergaminho alçado e leitos de brasões. O jornal que tende à unidade humana, ao braço comum, não era um inimigo vulgar, era uma barreira… de papel, não, mas de inteligências, de aspirações”. Machado celebrava a notícia não apenas como um registro da história, mas como um elemento fundamental para transformá-la.
As notícias nos ensinam a ler o mundo e a compreender o nosso papel na história coletiva
Mais de 200 anos depois, o jornalista Álvaro Caldas, em seu artigo “O desafio do velho jornal é preservar seus valores”, publicado no livro “Deu no jornal: o jornalismo impresso na era da internet” (editora PUC-Rio) concorda com o bruxo do Cosme Velho: “… Quando do nada, numa bela manhã de setembro de 2001, os leitores ainda folheando os jornais do dia, e o espetáculo inédito e inimaginável das torres gêmeas do World Trade Center sendo partidas ao meio e jogadas no chão pelo impacto de dois jatos comerciais desviados de suas rotas por terroristas fundamentalistas islâmicos. Mas o jornal sobrevive porque seus caminhos são outros. No dia seguinte estarão nas suas páginas, ao lado de fotos e da manchete alarmante, os primeiros acordes de uma longa discussão sobre as origens dos atentados, a secular história do islamismo, dos cismas religiosos e do poderio isolacionista do império americano, abrindo um debate de ideias como só a imprensa escrita pode proporcionar. É a história servindo ao jornalismo, contraface de um mesmo permanente fenômeno, de que o jornalismo faz história em seu dia a dia.”
Nesse dia lembrado pelos jornalistas e mídias mundo afora, creio ser fundamental lembrar que o jornalismo faz a história e cada notícia tem a responsabilidade de retratar o que nos acontece da forma mais precisa possível. O jornal Folha de S.Paulo, em seu Manual de Redação, define assim o verbete “notícia”: “puro registro dos fatos, sem opinião. A exatidão é o elemento-chave da notícia, mas vários fatos descritos com exatidão podem ser justapostos de maneira tendenciosa. Suprimir ou inserir uma informação no texto pode alterar o significado da notícia. Não use desses expedientes”. A frase final ultrapassa a definição e torna-se um imperativo para a escrita da notícia, é bom notar. Não à toa, o Manual de Redação do Nexo também tem como pilares do seu trabalho os elementos-chave para a produção de uma notícia confiável: clareza, equilíbrio – “o equilíbrio é o norte da produção. Para tanto, é preciso ouvir o maior número de pessoas envolvidas possível, consultar fontes qualificadas oficiais e extraoficiais, ser fiel às ideias centrais expostas por essas fontes e entender o contexto histórico de cada tema a fim de apresentar um quadro amplo e completo do tema tratado” – e transparência. Como os dois veículos jornalísticos esclarecem, o fazer jornalístico é uma tarefa complexa e multifacetada, mas nunca foi tão necessária como nos dias de hoje.
O World News Day (dia internacional da notícia) nasceu há cinco anos no Canadá, por iniciativa do editor-chefe do jornal The Globe and Mail, David Walmsley. A comemoração é organizada pela CJF (Fundação Canadense de Jornalismo) e pelo WEF (Fórum Mundial de Editores), reunindo mais de 500 veículos de todo o mundo, que nesta data compartilham reportagens relevantes em uma só plataforma. O objetivo é valorizar o jornalismo de qualidade diante de ameaças cada vez mais constantes e violentas aos veículos e profissionais da área. “(…) o Dia Mundial das Notícias é um lembrete oportuno do porquê o bom jornalismo é importante”, disse Warren Fernandez, presidente do WEF e editor-chefe do The Straits Times em Cingapura, comentando a efeméride. “À medida que o mundo ao nosso redor se torna mais complexo e cheio de crises, o público procura vozes confiáveis para ajudá-los a entender os desenvolvimentos. É assim que as redações profissionais fazem a diferença. Eles interpretam eventos e ajudam as pessoas a juntar os pontos, adicionando perspectiva e contexto.” Num mundo em que todos podem ser jornalistas, retratando a seu bel-prazer em qualquer rede social o que entende ser uma notícia, é fundamental ressaltar a relevância do jornalismo profissional que usa método, regras, ética e que deve prestação de contas a toda a sociedade. A notícia é a história de cada um relatada no contexto do nosso tempo, sujeita a imperfeições, falhas, omissões, mas que pode ser consultada e revisitada à luz do compromisso com a democracia, pedra fundante da atividade jornalística. A notícia, cujo objetivo primeiro é ser rápida e ligeira, ganha, especialmente nos tempos bicudos em que vivemos, a estatura de um importante elo que conserva a memória social, pois é, sobretudo, instrumento de comunicação e circulação de ideias. Em suma, as notícias nos ensinam a ler o mundo e a compreender o nosso papel nessa história coletiva.
Ah! Antes de encerrar o artigo quero compartilhar com vocês a notícia que eu gostaria de ver publicada nos jornais de hoje, com destaque. Ela foi compartilhada no Instagram do Alma Preta Jornalismo, um site de jornalismo e mídia: “Iyalaorixá Yagunã Dalzira defende tese de doutorado aos 81 anos”. Uma inspiração. Uma história de resistência que desconstrói inúmeros estereótipos e preconceitos, uma notícia que nos lembra que é sempre possível mudar, rever e reescrever a história.
E à guisa de encerramento, vale aqui um lembrete fundamental sobre notícias, história e democracia: as eleições que agora se avizinham são uma oportunidade única, preciosa e imprescindível de escrevermos a nossa história por meio do nosso direito de escolha, de selecionar quem nos inspira e nos representa no país em que vivemos. Pense bem nas notícias que você quer ler, ver, ouvir e escrever nos próximos quatro anos, o seu voto é decisivo para a construção desses fatos.
Januária Cristina Alvesé mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews - Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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