Coluna
Alicia Kowaltowski
O necessário retorno às aulas presenciais nas universidades
Temas
Compartilhe
Em 17 de março de 2020 foram suspensas as aulas presenciais na USP (Universidade de São Paulo), mas o semestre continuou de forma remota, sem atraso no calendário escolar. Foi um feito incrível para os quase 6.000 docentes da USP, pois a maioria não tinha treinamento em ensino à distância. Não foi uma transição fácil, nem pôde providenciar o ganho de aprendizado completo que se tem com o ensino presencial, mas era o que podia e deveria ser feito naquele momento, e o fizemos da melhor forma possível . Naquela ocasião, não imaginávamos que seria somente em 14 de março de 2022, após dois anos de ensino predominantemente remoto, que voltaríamos por completo com as aulas presenciais na USP. Novamente, não acredito que será uma transição fácil, mas a considero absolutamente necessária.
Os professores e funcionários da USP já estão trabalhando presencialmente desde o segundo semestre de 2021, quando a universidade decretou a obrigatoriedade da vacinação completa destes, e posteriormente seu retorno em pessoa. Estudantes de pós-graduação em atividades laboratoriais, que exigem presença física no campus, também estavam atuando. Mas com o segundo semestre do ano já em curso e atraso na vacinação da maior parte da jovem população universitária, o retorno completo dos cerca de 60 mil estudantes de graduação para aulas teóricas presenciais apresentava uma logística mais complexa, e ficou predominantemente para 2022. Digo predominantemente porque ocorreram aulas presenciais na graduação em 2021, incluindo aulas práticas, necessariamente presenciais e também algumas aulas teóricas. Eu, preocupada com o desânimo dos estudantes, e principalmente com o meu desânimo (não ter retorno ao vivo dificulta muito a didática), ministrei aulas teóricas presenciais optativas, e o retorno e valorização do ensino presencial pelos estudantes foi excelente. Não fui a única, mas também não foi o modelo principal.
A valorização pelos estudantes do ensino presencial que observei tem um motivo claro: a universidade é muito mais do que um conjunto de aulas teóricas que poderiam ser ministradas online. Aprendizado efetivo é auxiliado pelo ambiente, pela temporalidade, e pelo foco no assunto, todos muito mais ricos em aulas presenciais. O ensino presencial também envolve troca de ideias com o professor, atividade que é dificultada em plataformas online, e intercâmbio de experiências e estudo em grupo pelos estudantes, todas atividades catalisadas simplesmente por estar presente no mesmo lugar e hora. Além disso, universidade é uma experiência para além de um conjunto de aulas, que envolve desenvolvimento e convivência interpessoal de jovens adultos, gerando crescimento, cimentando contatos, e fomentando o aprendizado e a criatividade.
De fato, percebemos que o extenso período de afastamento da experiência universitária no seu sentido mais global gerou um deficit de aprendizado nos estudantes, além de um aumento expressivo de pedidos de trancamentos, afastamentos e prejuízo à saúde mental de muitos. Isso não ocorre somente na USP: dados de 2020 do Censo da Educação Superior indicam que há maior evasão e menor conclusão de cursos das universidades públicas, nossas melhores instituições de ensino superior. O investimento público no ensino superior é significativo, e certamente rende retorno através das múltiplas atividades que exercemos . Mas precisamos trabalhar continuamente para aumentar ainda mais esse retorno à sociedade, e num momento em que bares, casas noturnas e restaurantes estão abertos, não podemos ignorar o prejuízo ao aprendizado que temos atualmente. Para providenciar o melhor retorno de investimento no ensino superior que podemos, o retorno presencial completo, agora, é uma necessidade.
Obviamente este retorno será feito de forma responsável , pois somos um grupo de pessoas que entende a ciência, e liderados por um reitor que é profissional de saúde , além de um pró-reitor de graduação especialista em doenças infecciosas . A USP estendeu a cobrança de vacinação completa para todos seus estudantes, coletando comprovantes de forma centralizada. Meu instituto está trabalhando para assegurar que haja controle automatizado de entrada atrelado à vacinação, além de aumentar a troca de ar ambiente nas salas de aulas. O uso de máscaras continua obrigatório, e eu certamente não irei deixar de chamar a atenção de pessoas que não as utilizarem corretamente, até porque essa é uma habilidade básica necessária para os futuros profissionais de saúde para os quais leciono. Seguramente haverá dúvidas individuais e discussões entre nós se essas medidas providenciam a melhor relação entre risco e benefício a cada momento, mas dada a animadora situação epidemiológica em São Paulo , acredito que o plano de retorno é robusto.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Destaques
Navegue por temas