Coluna

Claudio Ferraz

O que sabemos sobre os efeitos das cotas depois de uma década

01 de setembro de 2022

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Apesar de um crescente número de estudos sobre o tema, falta entendermos que cursos e carreiras estão sendo escolhidos e como essas escolhas afetam as ocupações e a renda pós-universidade

Em 2012 foi aprovada a lei que instituiu cotas de vagas em universidades e institutos federais para ex-alunos de escolas públicas. Estas cotas incluíam uma parte das vagas reservadas para alunos de baixa renda e outra parte dividida para estudantes pretos, pardos e indígenas de acordo com as populações de cada estado. Na época, a lei gerou grande controvérsia . Hoje, dez anos depois de sua implementação, muita gente mudou de opinião. Mas o que a evidência empírica nos diz sobre os efeitos das cotas no Brasil?

Para discutir os efeitos das cotas, o melhor é começar pelo seu objetivo. A política de cotas busca reduzir a desigualdade através de uma ampliação do acesso e permanência na educação superior de estudantes de escolas públicas, e de grupos historicamente desfavorecidos como afrodescendentes e indígenas. Por que precisamos de cotas? O principal motivo é que a desigualdade brasileira é causada, em grande parte, pela desigualdade de oportunidades . O local em que uma pessoa nasce, sua família, e sua cor da pele determinam, em grande parte, o tipo de escola que a pessoa frequentará, a chance dela chegar até a universidade, e sua renda no mercado de trabalho. A desigualdade no acesso à universidade não é só injusta, ela também gera ineficiência e reduz o crescimento econômico. Nos EUA, entre 20% e 40% do crescimento econômico que ocorreu entre 1960 e 2010 pode ser atribuído a uma melhoria na alocação de talentos com a entrada de negros e mulheres em ocupações como advocacia ou medicina.

Mas será que as cotas funcionam? A avaliação dos efeitos das cotas não é trivial. Não basta olhar para a mudança na proporção de alunos de escolas públicas e de baixa renda que frequentam as universidades federais. Precisamos entender também quem deixa de entrar para que alunos cotistas entrem, como é o desempenho desses alunos durante o curso, como as cotas afetam incentivos para estudantes de ensino médio, se as cotas geram incentivos perversos em alunos de escolas privadas migrando para escolas públicas e, finalmente, se as escolhas de carreiras geram salários mais altos para os estudantes cotistas.

Ainda é cedo para saber os efeitos sobre renda, mas já podemos olhar para indicadores educacionais. Uma série de trabalhos publicados na última década busca responder essas perguntas. Devido à limitação de dados, uma primeira série de estudos utilizou informações de universidades que adotaram a política de ação afirmativa como a UnB (Universidade de Brasília), a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a UFBA (Universidade Federal da Bahia) e a Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo). Andrew Francis e Maria Tannuri-Pianto utilizaram a cota para afrodescendentes da UnB e mostraram que a política aumentou de forma significativa a proporção de estudantes negros na universidade. O aumento de representatividade também foi encontrado por Fernanda Estevam e coautores no trabalho “ Redistribution without distortion: Evidence from an affirmative action program at a large Brazilian university ”. Elas mostram que aproximadamente 10% dos estudantes admitidos não teriam entrado sem a política de cotas. O trabalho também estuda possíveis efeitos negativos da política: a possibilidade de estudantes de escolas públicas reduzirem o esforço para entrar na universidade. Os resultados encontrados, porém, não mostram diferenças significativas entre notas de estudantes de escolas públicas e privadas.

Os economistas Rodrigo Oliveira, Alei Santos e Edson Severnini usam dados da UFBA e mostram que, após a adoção do sistema de cotas, a proporção de alunos de escolas públicas aumentou de 27% para 50%. No trabalho “ Affirmative action with no major switching ” eles também mostram que, apesar de estudantes cotistas terem uma maior dificuldade no começo do curso, essa dificuldade diminui de forma considerável ao longo do curso. Após ajustar pela nota de entrada, a probabilidade de um estudante cotista terminar o curso é somente um pouco menor do que um estudante comparável e não cotista. A economista Ana Paula Melo utiliza dados da Ufes e estima os efeitos da reserva de 40% de vagas para estudantes de baixa renda de escolas públicas. No trabalho ” Affirmative action, college access and major choice ” ela encontra que um dos efeitos da política de cotas é fazer com que estudantes de baixa renda sejam aceitos em carreiras mais competitivas e prestigiosas. Porém, alguns estudantes erram ao escolher suas carreiras e terminam escolhendo cursos onde a nota de corte é muito alta para sua admissão.

Claudio Ferrazé professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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