Coluna

Vanessa Adachi

A tragédia Yanomami e a falta de uma economia da floresta

26 de fevereiro de 2023

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Há frentes promissoras de negócios locais que valorizam a Amazônia, mas é preciso políticas públicas para apoiar e impulsionar esse ecossistema

As imagens dos Yanomami desnutridos e doentes chocaram o Brasil e o mundo nas últimas semanas. Logo emergiram como causa da tragédia o garimpo ilegal, facilitado por uma regulamentação da comercialização que favorece a criminalidade, e a omissão completa do Estado (ou, pior, a ação intencional de um governo).

Tudo isso é verdade. Mas o garimpo, a pecuária e a atividade madeireira ilegais encontram campo fértil para seguir devastando a floresta, entre outros fatores, porque não existem atividades econômicas viáveis e em escala para gerar emprego e renda numa região onde vivem 28 milhões de brasileiros.

De nada adianta criar regras como o Código Florestal, que limita o desmatamento legal a 20% das propriedades, e não criar formas de se tirar o sustento da floresta.

Para mim, essa ideia ficou mais clara a partir de uma situação que vivi. Um ano atrás, fiz uma viagem de férias para o estado do Pará e contratei um guia local para nossa caminhada pela Floresta Nacional do Tapajós. Cheguei até ele embalada pela narrativa de que o turismo virara uma fonte de renda para muitas das mais de 1.000 famílias ribeirinhas distribuídas pelas 23 comunidades que habitam a unidade de conservação.

Mas, durante as quatro horas de trilha, ouvi nosso guia contar como a renda do turismo era insuficiente para manter sua família, que havia sido proibida de criar gado na área e que tinha tido visto suas galinhas serem devoradas por onças resgatadas de outras regiões e soltas ali.

Falta um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

É fácil falar que precisamos manter a floresta em pé. Mas como criar um modelo econômico que faça essa conta fechar? Que torne, de fato, uma árvore preservada mais valiosa do que uma árvore derrubada ou queimada? Mesmo do ponto de vista dos grandes proprietários de terra, outras atividades precisam render mais para que o plantio da soja deixe de ser a primeira opção.

A resposta passa pela estruturação de novos negócios que valorizem a floresta e – importantíssimo – gerem renda local, associada a políticas públicas que favoreçam o surgimento dessa nova economia da floresta, ao mesmo tempo em que solucionam a carência de saúde, educação e infraestrutura.

É fácil falar que precisamos manter a Amazônia em pé. Mas como criar um modelo econômico que faça essa conta fechar?

Nos últimos três anos, tenho visto crescer um ecossistema de negócios da floresta.

Numa das frentes mais promissoras estão os projetos que geram créditos de carbono a partir do desmatamento evitado. A receita da venda dos créditos para empresas que querem compensar suas emissões de CO2 remunera o proprietário da terra para que preserve a floresta nativa, mas uma parte também pode ser investida na melhoria das condições de vida da comunidade.

Em outra frente, há um ecossistema de negócios de impacto em ebulição na região, com fundos privados e startups dedicados à bioeconomia, ao reflorestamento, à infraestrutura, entre outros.

Tanto a frente do carbono quanto a dos negócios de impacto encaram dificuldades para avançar. Quer seja pelo problema da regularização fundiária na região, quer seja pela carência de infraestrutura, de mão de obra qualificada ou de uma cultura de empreendedorismo.

Quase todos esses entraves dependem da ação do Estado para serem superados.

Inúmeras entidades e iniciativas têm se dedicado a estudar modelos e fazer propostas para os governos federal e estaduais. É o caso da Uma Concertação pela Amazônia, que reúne mais de 500 lideranças de empresas, academia, setor público e ONGs, e defende uma nova visão de desenvolvimento econômico e social, que traga a queda do desmatamento como consequência.

O governo que começa tem a chance de fazer o que não foi feito nos dois primeiros mandatos do presidente Lula ou no governo Dilma.

As promessas de criar políticas estruturantes foram feitas e a governança para isso vem sendo desenhada. Um exemplo é a inédita Secretaria Nacional de Bioeconomia, criada dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática e que será liderada por Carina Pimenta.

Pimenta co-fundou, em 2018, a Conexsus, uma organização dedicada a fomentar o ecossistema de negócios de impacto socioambiental positivo, buscando novos arranjos financeiros e de acesso ao mercado.

Certamente, sua visão é privilegiada e ela tem muito a contribuir, assim como outros profissionais que dedicam suas carreiras a essa agenda, são reconhecidos em suas áreas e têm se juntado à equipe de governo.

Resta saber se, na prática, haverá espaço para esses profissionais formularem novas políticas e até onde o governo está disposto a ir para tirar essa agenda do papel e começar a transformar a realidade da Amazônia.

Vanessa Adachi é cofundadora e editora-chefe da Reset, um veículo digital e independente que cobre a transformação do capitalismo e negócios e investimentos que buscam soluções para os desafios ambientais e sociais da atualidade. Ela tem mais de 25 anos de experiência cobrindo negócios e finanças. Foi editora executiva, editora de finanças e repórter especial do Valor Econômico. Antes disso, trabalhou na Folha de S.Paulo, Gazeta Mercantil e Editora Abril. É jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com MBA em Finanças, Comunicação e Relações com Investidores.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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