Coluna

Vanessa Adachi

O abismo salarial nas empresas e a desigualdade social fora delas

24 de abril de 2023

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A remuneração de executivos cresceu exponencialmente enquanto a renda da base se achatou. Não dá para falar de responsabilidade socioambiental corporativa sem levar em conta esse fenômeno

Qual é o salário justo para o CEO de uma empresa? O que é uma renda mínima digna? Existe um teto para a diferença entre o maior e o menor salário pagos dentro de uma mesma companhia?

A discussão sobre o abismo salarial existente entre a cúpula e a base das empresas costuma ser esquecida na agenda socioambiental do mundo dos negócios, mas deveria ocupar o topo dela num país com desigualdades sociais profundas como o Brasil.

Se reduzir as desigualdades sociais é um dos principais desafios econômicos do nosso tempo, a enorme diferença salarial existente dentro das empresas alimenta e perpetua a concentração de renda que se vê fora delas.

Claro que muita gente acha que não faz sentido falar em diferença justa quando se trata da distribuição de riqueza criada dentro de uma empresa privada.

Mas está cada vez mais claro que as empresas têm um papel social que vai além de gerar lucro para seus donos. Não há como fechar o gap social sem garantir que a riqueza gerada pelas empresas beneficie as pessoas de forma mais equânime, assegurando um padrão de vida digno para quem está nos andares de baixo.

A discussão sobre o abismo salarial entre a cúpula e a base das empresas costuma ser esquecida na agenda socioambiental do mundo dos negócios, mas deveria ocupar o topo dela num país como o Brasil

No mundo todo, as últimas décadas marcaram a era dos super salários dos executivos, que cresceram exponencialmente , enquanto a renda da base se achatou.

Nos Estados Unidos, um levantamento com dados de 2021 mostra que os CEOs das empresas com ações negociadas em bolsa ganharam 399 vezes a remuneração do funcionário médio naquele ano. Um ano antes, esse número havia sido de 366 vezes. Cerca de 30 anos atrás, a razão era inferior a 60 vezes.

No Brasil não é diferente.

Um levantamento feito pelo consultor em governança Renato Chaves usando dados publicados por 70 empresas em 2019 mostrou que em 32 delas o múltiplo ficava acima de 100 e em 17 era de mais de 200 vezes o salário médio dos funcionários.

No caso mais alarmante, a diferença chegava a 663 vezes na varejista Americanas – que está agora no epicentro de um escândalo contábil por fraudar seus resultados e, com isso, inflar a remuneração variável dos executivos.

Se a realidade mostra múltiplos de mais de 600 vezes, qual deveria ser a diferença num sistema de distribuição mais equânime da riqueza?

Quais são os parâmetros para guiar essa discussão?

Claro que para atrair e reter um bom executivo para liderar a empresa, é preciso oferecer uma remuneração compatível com a sua importância estratégica, suas responsabilidades e o mercado. Mas não deveria ser indecentemente alta a ponto de criar desmotivação e ressentimentos entre os funcionários.

Peter Drucker, um dos mais famosos pensadores do mundo dos negócios, morto em 2005, dizia que, quanto maior a distância entre o salário da alta gestão e a média dos funcionários, mais tóxico é o ambiente corporativo. Sua regra de ouro era que a diferença não deveria ser maior que 20 vezes.

Se colocar limite no teto e garantir que a diferença existente fique dentro de alguns parâmetros são duas medidas desejáveis, existe um outro aspecto tão importante quanto nessa discussão: garantir que o salário da base seja capaz de cobrir as necessidades básicas de cada um.

Não se trata de cumprir o que manda a lei e pagar o salário mínimo.

Algumas empresas têm liderado a discussão, defendendo – e implementando – o conceito de “living wage”, algo como “salário digno”.

A ideia é que a renda seja suficiente para que uma pessoa possa pagar os seus gastos com moradia, saúde, educação, alimentação e, assim, viver dignamente.

Para cada geografia, essa renda digna varia de acordo com os custos de vida da região e esse cálculo não é trivial. Mas existem alguns institutos e consultorias no mundo, como a Global Living Wage Coalition , a Fair Wage Network e o Anker Research Institute , que ajudam empresas e profissionais interessados em implementar políticas de renda digna.

Vanessa Adachi é cofundadora e editora-chefe da Reset, um veículo digital e independente que cobre a transformação do capitalismo e negócios e investimentos que buscam soluções para os desafios ambientais e sociais da atualidade. Ela tem mais de 25 anos de experiência cobrindo negócios e finanças. Foi editora executiva, editora de finanças e repórter especial do Valor Econômico. Antes disso, trabalhou na Folha de S.Paulo, Gazeta Mercantil e Editora Abril. É jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com MBA em Finanças, Comunicação e Relações com Investidores.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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