Coluna

Marcelo Coelho

Motorista, prepare a buzina: a velha Kombi está de volta

07 de junho de 2023

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Como cabia muita gente ali dentro, e não custava muito, tornou-se o símbolo de uma vida precária, ambulante e coletiva. Estacione ela no meio do mato, acenda a fogueira, dance ao som do violão

Antes das motos e das bicicletas, o grande inimigo do motorista brasileiro era a Kombi. Para a minha geração, pelo menos, o utilitário da Volks não tinha rival em matéria de barbeiragem, péssimo estado de conservação, falta de desconfiômetro e capacidade de bloqueio visual.

Eu tinha algumas teorias sobre o fenômeno. Talvez a causa de tanta incompetência em vias públicas fosse o próprio design daquele carro.

O para-brisa, completamente perpendicular com relação à pista, talvez impedisse a visão correta de quem estava no volante. A Kombi colava atrás de você, parecia estar sempre avançando sobre si mesma, e na hora de virar à esquerda ou à direita, era inevitável que seu movimento fosse brusco.

A direção, horizontal como num ônibus, talvez atrapalhasse também. E existiam, sem dúvida, razões sociológicas para o desastre automotivo. Kombis eram pilotadas por gente trabalhadora, exausta, inexperiente, em atraso de horário: encanadores, pequenos empreiteiros de obra, madres superioras de um convento, vendedores de ovos e hortaliças – estes, talvez, menos habituados às complexidades do trânsito urbano.

Como tantas outras coisas, a Kombi foi desaparecendo sem ninguém notar. Vieram as vans, a começar pela desconfortável Besta, e, tudo medido, o que se deu foi um progresso. Ninguém reclama, que eu saiba, dos utilitários da Mercedes, da Citroen ou da Renault.

Marcelo Coelhoé jornalista, com mestrado em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo). Escreveu três livros de ficção (“Noturno”, “Jantando com Melvin” e “Patópolis”), dois de literatura infantil (“A professora de desenho e outras histórias” e “Minhas férias”) e um juvenil (“Cine Bijou”). É também autor de “Crítica cultural: teoria e prática” e “Folha explica Montaigne”, além de três coletâneas com artigos originalmente publicados no jornal Folha de S.Paulo (“Gosto se discute”, “Trivial variado” e “Tempo medido”).

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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