Coluna

Luiz Augusto Campos

O que a renúncia da reitora de Harvard ‘não’ diz

16 de janeiro de 2024

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Larry Summers foi criticado como indivíduo pelos seus atos, já Claudine Gay, usada como pretexto para atacar toda uma ideologia

Em 21 de fevereiro de 2006, o então reitor de Harvard tornou pública sua renúncia. Ex-Secretário do Tesouro Americano, Lawrence “Larry” Summers assumiu a direção da universidade em 2002 e viveu no cargo polêmicas que foram desde acusações de mau uso de recursos até declarações sexistas e racistas.

Dentre as suas decisões controversas, esteve um acordo junto ao Departamento de Justiça para encerrar um processo movido contra Andrei Shleifer, professor da instituição e ex-pupilo de Summers. Shleifer e Harvard estavam sendo acusados de conflito de interesses por assessorarem a Rússia em seu programa de privatizações e, ao mesmo tempo, comprar ações de empresas que se beneficiaram com o processo. Summers negociou para que Harvard pagasse uma multa de US$ 26,5 milhões, enquanto Shleifer pagou apenas US$ 2 milhões.

Além disso, Summers também ficou famoso por suas declarações sobre questões de gênero e raça. Em uma palestra fechada, ele afirmou serem as diferenças de QI entre homens e mulheres a principal hipótese explicativa para as desigualdades de gênero no mundo científico. Antes disso, ele já havia criticado frontalmente Cornell West – um dos maiores intelectuais negros estadunidenses e então professor de Harvard – por tirar uma licença de três semanas para ajudar nas prévias presidenciais do Partido Democrata e, especialmente, por lançar um CD de rap, algo considerado “vergonhoso” em seus termos.

Amplamente coberta pela imprensa estadunidense, a renúncia de Summers foi enquadrada como efeito de seus erros estratégicos e sua falta de pudor em proferir declarações polêmicas. O mesmo não pode ser dito de Claudine Gay, primeira mulher negra a dirigir Harvard e a última reitora a renunciar. Ao contrário de Summers, Gay teve uma carreira mais voltada à administração universitária, ocupando cargos de chefe do departamento de ciências sociais e, depois, da Faculdade de Artes e Ciências. Nesse período, ela iniciou um programa de diversificação da faculdade, sendo aprovada por 73% dos docentes sob sua liderança. Isso lhe rendeu a indicação para a reitoria.

Pouco mais de seis meses como reitora, contudo, Gay começou a sofrer ataques dentro e fora da universidade. Eles não foram motivados por nenhum equívoco administrativo da sua parte, mas por um campo minado meticulosamente montado para sua derrocada.

Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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