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A vitória de Donald Trump nesta semana, na eleição primária do estado de New Hampshire, somada ao triunfo de 16 de janeiro em Iowa, torna praticamente certo que o ex-presidente será novamente o candidato republicano à Presidência. No momento em que escrevo, os mercados apontam um empate entre ele e o presidente Joe Biden em termos da probabilidade de quem vencerá a eleição em novembro.
Como argumentei na minha última coluna, a perspectiva do retorno de Trump representa um sério risco para a democracia nos EUA – e, indiretamente, no Brasil. É preciso, porém, entender em maior profundidade a natureza desse risco, sob pena de subestimá-lo tanto agora quanto nos próximos anos.
Sempre que a ideia de risco à democracia é aventada, é muito comum agora aqui nos EUA – bem como ao longo de toda a era Trump ou no Brasil de Bolsonaro – a reação de que se trata de exagero ou alarmismo. “Não vai ter golpe”, “pesos e contrapesos”, “instituições funcionando”, “risco zero”: para muita gente é simplesmente inimaginável conceber que os EUA (ou mesmo o Brasil) possa deslizar rumo a um regime autocrático.
Essa reação, compreensível, parte de uma concepção limitada do que é um regime não democrático. A imaginação americana, ao pensar em uma autocracia, vai imediatamente para a Europa do entre-guerras e os regimes totalitários de uma Alemanha nazista ou de uma União Soviética, ou no mínimo a Itália de Mussolini. No Brasil, nossa percepção é naturalmente dominada pelas experiências pregressas: ditadura militar, Estado Novo, etc. Quanto a isso, podemos afirmar que o risco é, de fato, zero: não teremos fac-símiles desses regimes.
Mas isso é ignorar a realidade de que as experiências autocráticas abarcam um espectro muitíssimo mais amplo que esses exemplos relativamente extremos. Esse é um ponto feito com maestria pelo cientista político Tom Pepinsky: a vida sob uma autocracia é, para a vasta maioria dos cidadãos, perfeitamente tolerável, sem qualquer tipo de violência política ou sobressalto. No mais das vezes, trata-se inclusive de um excelente simulacro de democracia.
Filipe Campanteé Bloomberg Distinguished Associate Professor na Johns Hopkins University. Sua pesquisa enfoca temas de economia política, desenvolvimento e questões urbanas e já foi publicada em periódicos acadêmicos como “American Economic Review” e “Quarterly Journal of Economics”. Nascido no Rio, ele é PhD por Harvard, mestre pela PUC-Rio, e bacharel pela UFRJ, todos em economia. Foi professor em Harvard (2007-18) e professor visitante na PUC-Rio (2011-12). Escreve mensalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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