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Em visita ao Brasil em 2019, pouco antes da pandemia, em uma palestra no Sesc em São Paulo, a intelectual e ativista Angela Davis propôs uma análise sobre a relação das nações ditas democráticas com o encarceramento para entendermos as políticas de desigualdade, racismo e classismo.
Para Davis, o encarceramento é uma ferramenta marcada pela exclusão racial. Portanto, nas democracias capitalistas, sendo a prisão uma punição àqueles e àquelas que não merecem ser livres, a liberdade não é um direito amplo para todas as pessoas, e sim um privilégio.
Logo, a prisão das pessoas que são consideradas “cidadãs”, humanas e dignas de direitos constitui-se em inversão da ordem. Se um cidadão é preso, algo está errado, e aí a democracia não funciona bem. Reclama-se: o cidadão não “merece” ser preso, já que a cadeia não é para ele ou ela. A cadeia é para os outros e as outras, as pessoas excluídas, as pobres, as negras.
O mais recente ato na avenida Paulista pedindo anistia para os presos pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 é o exemplo concreto dessa avaliação de Davis.
Nem os republicanos estadunidenses ousariam tanto em pedir anistia sem fundamentação legal, concreta. Aqui vale uma ressalva: talvez não o Partido Rpublicano, embora Trump, este sim, como candidato, já tenha prometido a anistia aos invasores do Capitólio. As razões aparentemente subjetivas, bem ao gosto do brasileiro médio, deixam nuances do que está por trás da crença de que há algo de muito errado no fato de que pessoas de uma maioria branca, masculina e de classe média sejam condenadas por seus crimes.
Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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