Coluna

Marcelo Coelho

Por que os democratas demoraram tanto para tirar Joe Biden?

24 de julho de 2024

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Virada contra Marine Le Pen, na França, mostrou que ainda restam algumas energias nos sistemas democráticos para evitar o suicídio, a treva, a conflagração

Donald Trump foi sempre criticado por empilhar mentiras e mais mentiras a cada discurso ou mensagem nas redes sociais. Mas nada do que ele disse, diz ou dirá tem equivalente na enormidade escandalosa que Joe Biden repetiu incansavelmente ao longo destes últimos meses (anos?): a de que estava em perfeitas condições mentais. 

Qualquer um podia ver que era mais do que velhice; ele não precisava dizer nada (e o que dizia esteve longe de ajudar). Bastava ver o seu rosto – a bochecha aparentemente insensível –, seu andar – e as patéticas microcorridinhas que ele dava a caminho do microfone –, a expressão do rosto, a rigidez. Sem ser médico, imagino que no mínimo aquilo era uma overdose de remédios para Parkinson.

Não é possível que toda a cúpula do partido democrata fosse tola a ponto de acreditar na possibilidade de Biden ir adiante. A questão, portanto, é por que demoraram tanto para terminar sua candidatura. Respeito? Esperança de algum remédio melhor? Luta contra a teimosia do próprio Biden? É pouco.

A resposta provavelmente está na figura de Kamala Harris. A saída de Biden só custou tanto para acontecer porque nem todos no partido estavam dispostos a convergir no nome da vice-presidente. Ainda agora, Barack Obama indica hesitação, sugerindo um processo amplo de escolha até a convenção democrata, daqui a três semanas.

Mas é claro que não há mais tempo a perder. De certo modo, a demora para se acertar a saída de Biden foi benéfica para Harris: as possíveis divergências em torno de seu nome, que prolongaram a agonia, funcionaram como um dique represando a torrente desesperada que a conduz, agora, à disputa direta com Trump.

Marcelo Coelhoé jornalista, com mestrado em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo). Escreveu três livros de ficção (“Noturno”, “Jantando com Melvin” e “Patópolis”), dois de literatura infantil (“A professora de desenho e outras histórias” e “Minhas férias”) e um juvenil (“Cine Bijou”). É também autor de “Crítica cultural: teoria e prática” e “Folha explica Montaigne”, além de três coletâneas com artigos originalmente publicados no jornal Folha de S.Paulo (“Gosto se discute”, “Trivial variado” e “Tempo medido”).

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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