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A política econômica do governo Lula está concentrada em dois pilares: a reforma tributária e o plano nacional de neoindustrialização. Apesar de alguns solavancos e incertezas, o primeiro pilar tramita no Congresso e já conta com uma relativa clareza de meios e objetivos. Sobre o segundo, porém, restam mais dúvidas do que certezas.
Para além de algumas indefinições conceituais, o Plano de Ação para a Neoindustrialização é particularmente elusivo nas menções à pesquisa e à centralidade da ciência para o desenvolvimento. Ele menciona mais de 30 vezes a importância da pesquisa para o desenvolvimento do país, mas nenhuma de suas seções explicita os marcos gerais de como essas pesquisas serão organizadas, financiadas e integradas ao setor produtivo. Tudo isso se torna mais nebuloso quando temos em mente que a pesquisa no Brasil se concentra especialmente nos programas de pós-graduação das universidades públicas, cujos pesquisadores respondem a mais de 90% dos artigos científicos em periódicos de prestígio internacional.
Nenhum país do mundo se industrializou sem investimentos na ciência. Isso vale, sobretudo, para os campeões atuais da industrialização como a China, Índia e Coreia do Sul. Logo, o desafio industrial brasileiro é um desafio de política científica e vice-versa. Há muito, a inovação tecnológica deixou de ser produzida por mentes inventivas nas garagens de suas casas como só filmes de Hollywood fazem crer. Hoje, ela vem muito mais do trabalho coletivo de grandes e dedicadas equipes de pesquisadores e pesquisadoras trabalhando em laboratórios caros e de excelência. O Brasil possui parte desses cientistas, sejam eles docentes universitários, sejam eles doutores ou pós-graduandos. O que falta é uma maior interação entre a universidade e o parque industrial, sobretudo aquele de médio porte.
As dificuldades de articulação entre essas esferas são variadas e possuem causas infraestruturais e culturais. A aposta brasileira em uma ciência publicamente financiada sobretudo em universidades estatais colocou o país no mapa global da produção científica e formou, em pouco tempo, recursos humanos invejáveis. No entanto, o caráter público dessas instituições cria anteparos naturais em relação à cooperação com a iniciativa privada.
Parte desses anteparos se justifica: não é do interesse de ninguém que o capital privado colonize nossas universidades públicas e oriente suas políticas internas. Também não se trata aqui de defender a privatização de nossas universidades. As instituições privadas já existentes raramente atingem o grau de excelência e expertise necessários para a inovação, cooperando ainda menos para o avanço tecnológico. Mas fato é que temos no Brasil problemas na interação entre indústria e academia que inexistem em países como os EUA, em que instituições privadas de ensino superior firmam livremente contratos com grandes empresas ou cedem seus docentes e estudantes sem grandes amarras.
Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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