Coluna
João Paulo Charleaux
Por que os Brics estão saindo caro demais para o Brasil
Temas
Compartilhe
Quando foi criado, em 2009, os Brics não precisavam explicar muito sobre suas visões a respeito do mundo. Não era tão importante entender o que o bloco defendia em termos de democracia, direitos humanos, meio ambiente, livre mercado e segurança internacional. Há 15 anos, bastava que seus membros – Brasil, Rússia, Índia e China; e, mais tarde, em 2011, a África do Sul – apontassem as assimetrias das instituições internacionais do pós-guerra e reivindicassem mais espaço para si mesmos.
Era difícil discordar do diagnóstico: as instituições encarregadas da tal governança global estavam de fato presas a uma ordem obsoleta, injusta e superada, na qual os EUA e as antigas potências coloniais europeias davam as cartas, deixando os demais países do mundo como meros coadjuvantes, no caso dos brasileiros, indianos e sul-africanos; ou como inimigos, no caso de chineses e russos. O arranjo denunciado pelos Brics era maniqueísta e caricato demais; já não comportava as nuances de uma nova realidade, que se pretendia multipolar e multifacetada.
Segundo essa visão, as potências regionais emergentes – esses países baleia, que têm territórios continentais, extensas fronteiras, grandes mercados consumidores internos, populações multiétnicas e processos de votação em escala monumental – eram como patinhos feios que depois das duas grandes guerras estavam finalmente desabrochando na puberdade e agora esticavam suas asas, reivindicando legitimamente espaço para poder crescer e se fazer ouvir.
Essa realidade se aplicava sobretudo a dois dos membros fundadores dos Brics, o Brasil e a Índia. A África do Sul, que entrou mais tarde, tem expressão menor, mas o peso moral sul-africano é enorme, assim como o acesso que o país pode franquear ao restante das nações do continente. O problema é que nada disso se aplica aos casos da China e da Rússia, duas potências nucleares que já têm assentos permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas, estão localizadas geograficamente no norte global, são países desenvolvidos e rivalizam com os EUA; não em defesa de um mundo multipolar mais democrático, onde haja maior respeito à autodeterminação dos povos, à democracia, aos direitos humanos e à paz, mas apenas em defesa de uma nova ordem na qual sejam eles os protagonistas, em detrimento de americanos e europeus.
Era fácil para os Brics fazerem suas críticas quando os vilões das agressões internacionais à época não eram a Rússia ou a China, mas os EUA, que, após o 11 de setembro de 2001, atacaram ilegalmente o Iraque em 2003 e bombardearam o Afeganistão durante 20 anos; e a Europa, que teve papel crucial nas guerras da Líbia e da Síria, após a Primavera Árabe de 2010, sem contar as operações na região africana do Sahel. O discurso de ressentimento com o “norte global” e de superioridade moral dos oprimidos “do sul” caía bem na boca do então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, um líder que tinha o physique du role para a peça em cartaz.
João Paulo Charleauxé jornalista, escritor e analista político. Foi repórter especial, editor e correspondente do Nexo em Paris. Trabalhou por sete anos no CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em cinco diferentes países, cobriu a guerra nas fronteiras de Israel com Gaza e o Líbano, a crise política e humanitária no Haiti e o tsunami no Chile. Pela Cia das Letras, publicou o livro “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História” e prepara um novo livro, sobre “As Regras da Guerra”, mesmo tema de uma série publicada na Folha em 2023-2024. Ao longo dos últimos 25 anos, escreveu no Estadão, no Globo, na Piauí, no UOL e na Carta Capital. Participou como comentarista na CNN e na CBN. Trabalha principalmente com temas ligados ao direito internacional aplicável aos conflitos armados.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas