Tribuna

Ireuda Silva

Moradia digna: direito básico e essencial e dever do Estado

22 de outubro de 2021

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Ao pensarmos a desigualdade brutal entre os brasileiros mais pobres e os mais ricos, devemos fazer uma revisão histórica com foco nos séculos de escravidão e também no período pós-abolição

A maioria esmagadora dos brasileiros não faz a menor ideia da realidade árida em torno da falta de moradia digna no país. Levantamento de 2018 da ONU (Organização das Nações Unidas) mostra que 33 milhões de pessoas não têm onde morar no Brasil e 8 milhões residem em locais inapropriados ou com riscos de desastres naturais, como morros. Trata-se de uma realidade histórica, com raízes profundas e imbricadas, e que contribui para travar o desenvolvimento de uma nação calcada na desigualdade.

Com as sucessivas crises econômicas atravessadas nos últimos anos, sobretudo com a pandemia do novo coronavírus, tivemos um agravamento significativo desse cenário: houve queda na renda, desemprego em massa, inflação de produtos e serviços básicos e o recrudescimento do fantasma da fome e da miséria. Com isso, reforça-se o dever e a importância do Estado, tanto para agir de forma emergencial, quanto para reelaborar políticas públicas a longo prazo, possibilitando o acesso dos menos favorecidos a condições mínimas de vida.

Ao pensarmos a desigualdade brutal de moradia entre os brasileiros mais pobres e os mais ricos, devemos fazer uma revisão histórica com foco nos séculos de escravidão e também no período pós-abolição. Após a assinatura da Lei Áurea, em 1888, milhões de ex-escravizados foram literalmente abandonados à própria sorte, invisibilizados por um Estado construído por seus suor e sangue. A carência de moradia digna no Brasil está calcada no racismo. É um efeito colateral de mais de 300 anos em que milhões de pessoas foram escravizadas e despersonalizadas, e às quais foi negado qualquer direito fundamental, incluindo o direito de terem um teto. Essa prática, de certa maneira, perpetua-se até hoje.

Um dos casos mais emblemáticos da cidade de Salvador (entre tantos outros), é o da comunidade Paz e Vida. Em 2018, o local foi cenário de uma tragédia que teve repercussão nacional: uma menina de 11 anos foi baleada e morta durante uma operação policial. Entrei em Paz e Vida por acaso, em 2017, mas logo entendi a minha responsabilidade enquanto vereadora de fazer o que estivesse ao meu alcance para tirar os moradores das condições desumanas em que viviam. Após muito diálogo com a gestão municipal, conseguimos fazer com que centenas de famílias fossem beneficiadas com habitações dignas e seguras. Nesta terça-feira (19), mais de 500 chaves foram entregues.

Em 2018, o então Ministério das Cidades informou que, nos últimos nove anos, foram investidos R$ 4 bilhões na construção de moradias. Esperamos que esses investimentos sejam priorizados e progressivamente ampliados, principalmente diante da conjuntura atual, na qual os menos favorecidos são os primeiros e maiores prejudicados.

Ireuda Silva

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