Este estudo reflete sobre a representação da figura feminina nos meios de comunicação, especificamente por meio das telenovelas brasileiras. Segundo a autora, muitas vezes elas constroem personagens femininas estereotipadas que reforçam a dominação masculina, mas existem brechas significativas para abordar temáticas contra-hegemônicas. Esse é o caso da personagem Clara da novela “Em Família”, analisado no estudo, que abre espaço para discutir as relações lésbicas.
A pesquisa teve por objetivo refletir sobre a construção da figura da mulher operada pelos meios de comunicação, através de um dos seus produtos culturais, a telenovela brasileira. Será que a telenovela coloca a mulher em termos estereotipados ou, para além disso, garante um lugar de fala a elas?
Muitos acreditam que a mulher brasileira só tem espaço na mídia com suas bundas e em comercial de cerveja. De fato, essa objetificação existe e não só para a cerveja. Vai desde a pasta de dente até o gorrinho de dormir. Mas a telenovela, pelo que percebemos, pode ir – como tem ido – além disso. Assim, observando algumas telenovelas, formulamos a seguinte ideia: não existe invisibilidade midiática no que se refere à mulher, mas sim uma visibilidade que é construída através de estereótipos que preservam a manutenção da dominação masculina. Ou seja, no que concerne à mulher, acreditamos que a mídia representa, ao seu modo, a sua figura. Isso implica dizer que a constrói, sim, em cima de estereótipos mas que nem sempre essas construções são negativas. Como é o caso da personagem Clara da novela da Globo “Em Família”. De modo que consideramos importante pesquisar sobre quais são as concepções e consequências das articulações da mídia no que diz respeito à figura da mulher.
O presente estudo tem por objetivo refletir acerca da construção da figura da mulher operada pelos meios de comunicação, através de um dos seus produtos culturais, a telenovela brasileira. Para tanto, propõe uma investigação que aborda a visibilidade da mulher na mídia, trazendo como arcabouço teórico Baccega (1994; 1998), Escosteguy (2001) e Hall (2013), no que tange aos discursos midiáticos; Lippmann (1966), Bourdieu (2014), Scott (1995), Butler (2015) e Louro (2000) para refletir sobre a figura da mulher. Levando em conta o contexto hegemônico, o presente estudo propõe discutir a ideologia bem como a indústria cultural, a fim de analisar, como objeto empírico, a personagem Clara, protagonizada pela atriz Giovanna Antonelli, na telenovela brasileira “Em Família”, da TV Globo.

Casamento da personagem Clara, na novela “Em Família”
Sabemos que os discursos midiáticos funcionam, por um lado, como reforço para a manutenção da dominação masculina, com discursos machistas e figuras estereotipadas e, por outro, entendemos existir a possibilidade de se constituírem enquanto agentes potentes que ofertam a transcendência da mesmice que condena as minorias ao gueto da exclusão. É nesse sentido que entendemos possível a inserção de uma temática contra-hegemônica (em nosso caso, a da mulher homossexual, Clara) em uma telenovela como “Em Família”. Porém, isso só se concretiza se pensarmos os meios de comunicação de massa inseridos em uma lógica que vislumbra a brecha para a emancipação do sujeito. Nos circuitos da alienação e do embotamento, não pensamos ser possível representar aquilo que foge do ordinário nosso de cada dia.
Esta pesquisa é importante porque demonstra que a indústria cultural (através da televisão) tem muitas vezes tentado se sobrepor à lógica machista que impera na nossa sociedade. Uma lógica que permite violência, brutalidade, maus tratos. Uma lógica que condena nossas mulheres ao gueto do medo e da submissão. Uma lógica que mata mais de 13 mulheres por dia em nosso país. Enquanto este texto é redigido, milhares de mulheres estão sendo espancadas, violentadas, silenciadas, agredidas, desrespeitadas, abusadas, mortas. E o nosso Legislativo pouco se importa, pouco se indaga, pouco liga para isso porque nesse mesmo momento tem lá, dentro de uma das gavetas de um gabinete qualquer o Estatuto da Família. Um projeto de lei que proíbe, por exemplo, o casamento de Clara com Marina. Tem toda uma bancada evangélica que quer também silenciar o corpo da mulher, tomar-lhe todo, proibindo a sua livre disposição de abortar.
Camilla Rodrigues Netto da Costa Rochaé doutoranda e mestra pelo PPGCOM/ESPM (Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing). Fez graduação em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda pela ESPM (2011/2014) e graduação em Direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) (2001/2005).
Referências
- ADORNO, Theodor W; Horkheimer, Max (1985): Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar.
- BACCEGA, Maria A. (1994): “Do mundo editado à construção do mundo”. Em: Comunicação & Educação, Brasil, nº. 1, pp. 5-6.
- ________. (1998): “O estereótipo e as diversidades”. Em: Comunicação & Educação, Brasil, nº. 13, pp. 7-14.
- BOURDIEU, Pierre (2014): A dominação masculina. 2ª Ed. Rio de Janeiro: BestBolso.
- BUTLER, Judith (2015): Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
- ESCOSTEGUY, Ana C (2001): Cartografias dos Estudos Culturais: uma versão latino-americana. Belo Horizonte: Autêntica.
- HALL, Stuart (2013): Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG.
- LIPPMANN, Walter (1966): “Estereótipos”. Em: Charles Steinberg (org.): Meios de comunicação de massa. São Paulo: Editora Cultrix, 1966, pp. 149-159.
- LOURO, Guacira L. (2000) (org.): O corpo educado. Pedagogias da sexualidade. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica.
- SCOTT, Joan (1995): “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Em: Educação & Realidade, nº. 20, pp. 71-99.