Temas
Compartilhe
A pedido de sua mãe, Pedro Henrique enviava mensagens pelo WhatsApp durante todo o percurso de uma hora entre sua casa em Osasco e o colégio Bandeirantes na Vila Mariana. Mas no dia 12 de agosto as mensagens cessaram no meio do caminho. Seu último áudio seria também o último do filho recebido pela mãe. Cansado dos sucessivos bullyings que sofria por ser gay, negro e periférico em uma escola paulistana de elite, Pedro tirou a própria vida.
O suicídio de Pedro foi noticiado nos principais jornais e foi objeto de uma matéria longa na revista Piauí. Foi uma tragédia pessoal mas também social: um jovem periférico em múltiplos sentidos tinha o sonho de ascensão frustrado por conta do bullying. Filho de uma auxiliar de limpeza e de um auxiliar de almoxarifado, Pedro revelou desde pequeno dedicação excepcional para o estudo. Como o irmão mais velho, ele passou nas seis etapas de seleção de bolsistas do Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos) para conseguir uma vaga num dos mais prestigiados colégios de São Paulo.
Ao que consta, sua trajetória até a matrícula no colégio foi celebrada por ele e pela família, sem grandes sintomas de depressão, desencaixe e sofrimento. Mas, com o passar dos anos, isso mudou. Num espaço altamente competitivo e elitista, Pedro começou a ser vítima de ataques homofóbicos, tendo denunciado a prática mais de uma vez às diretorias do Bandeirantes e do Ismart.
O termo “bullying” pode ser útil para categorizar um sem número de práticas e discursos que oprimem jovens em todas as fases do processo educacional, mas ele mistifica um fenômeno social bem mais nocivo: a discriminação. Pedro foi vítima de um sem número de preconceitos que resultaram na deterioração paulatina de sua autoestima e, ao termo, de sua vida. Suas mensagens para a mãe focam nos ataques homofóbicos, mas são conscientes de como eles se misturavam com sua condição de classe e identificação racial.
Uma matéria da Folha de S.Paulo entrevistou bolsistas de diferentes escolas de prestígio e quase todos reconheceram práticas sistemáticas de discriminação contra si. Muitas dessas escolas, aliás, decidiram lidar com a discriminação cotidiana de seus estudantes convertendo-a em segregação espacial, colocando-os em turmas específicas ou proibindo-os de usar suas áreas comuns. Isso por si já mostra que a morte de Pedro está longe de ser uma fatalidade ou fruto do “bullying”: trata-se de uma morte marcada pelo nosso desigual sistema educacional e por ambientes que potencializam nossas discriminações.
Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas