Uma eleição na esquina. E um presidente sem partido

Debate

Uma eleição na esquina. E um presidente sem partido
Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Marta Mendes da Rocha


10 de novembro de 2020

A ausência de uma estrutura partidária pode privar Bolsonaro do principal recurso para influenciar candidaturas locais. E não parece seguro apostar que o centrão será capaz e/ou estará disposto a impulsionar candidaturas alinhadas a ele

Um dos aspectos mais discutidos a respeito das eleições municipais do dia 15 de novembro é em que medida o que acontece em Brasília e na política nacional influenciará os rumos do pleito. Mesmo que a escolha dos representantes locais se dê em uma ocasião diferente das eleições estaduais e nacionais, é razoável esperar que as primeiras, de alguma forma, funcionem como uma espécie de recall para o presidente em exercício e como um ensaio para as eleições seguintes.

Uma das expectativas é a de que um presidente com boa aprovação popular faça uso de seu capital político emprestando seu prestígio a candidatos a prefeito de seu partido e de partidos aliados. Seria uma forma de preparar terreno para as próximas eleições nacionais. Não só os presidentes se valem dessa estratégia, como também os legisladores nacionais e estaduais depositam tempo e energia nas eleições locais como forma de fomentar a candidatura de aliados no plano municipal. Isso decorre, entre outras coisas, da importância dos prefeitos como principais lideranças locais e do papel que desempenham como cabos eleitorais para candidatos ao Executivo e ao Legislativo em outros níveis.

Mas há alguma controvérsia sobre a real influência que o presidente e os governadores podem exercer nos rumos das eleições municipais. Por um lado, uma longa tradição de estudos enfatiza o governismo entre as elites locais, designando com isso a tendência dos prefeitos a aderirem aos governos de plantão como forma de assegurar o fluxo de recursos para suas localidades e o acesso às agências burocráticas do estado. Essa tendência teria como resultado colocar os atuais ocupantes de cargos no Executivo em posição de vantagem em relação aos desafiantes. Do outro, há evidências de que a popularidade do presidente não seja decisiva para formatar as preferências dos eleitores nos municípios e de que a vitória local do partido não produza efeitos significativos sobre o desempenho dos candidatos à presidência. Se é assim, faz sentido para o presidente se envolver de corpo e alma nas eleições municipais?

Diante das primeiras eleições locais desde que tomou posse em janeiro de 2019, a postura do presidente Jair Bolsonaro tem sido ambígua. Em princípio, declarou que não pretendia se engajar no pleito . Mas, em um segundo momento, tomou posição a favor de candidatos em cinco capitais brasileiras — São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Fortaleza e Belo Horizonte. A questão que se coloca é: como um presidente sem partido e sem uma coalizão formal de governo poderá articular alianças e apoios nas eleições municipais?

A despeito do fraco enraizamento social da maioria dos partidos brasileiros, eles continuam a desempenhar um papel central no processo eleitoral. O Brasil é um dos poucos países da América Latina em que os partidos permanecem detendo o monopólio da representação política na região, apenas Argentina, Brasil, Costa Rica, Nicarágua e Uruguai não permitem candidaturas independentes ou avulsas. E mesmo que os partidos tradicionais pareçam enfrentar uma crise sem precedentes na recente experiência democrática brasileira, cabe a eles recrutar candidatos e definir estratégias de alianças, além de distribuir os recursos do fundo partidário e o tempo de propaganda no rádio e na televisão. Há evidências de que os partidos são capazes de organizar seus esforços eleitorais em diferentes eleições e em diferentes níveis , o que explicaria a correlação no desempenho eleitoral dos partidos nos pleitos municipais, estaduais e nacionais.

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