Debate
Jefferson Barbosa e Sharah Luciano
Rememorando a participação da sociedade civil brasileira, é preciso destacar três atores que desempenharam um importante papel: as juventudes, o movimento negro e a delegação indígena
Durante duas longas semanas, a fria Glasgow, na Escócia, abrigou a 26° Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26. Com visitantes por todo o lado, a cidade, conhecida por sua bela arquitetura e por ser um polo cultural do Reino Unido, atraiu os olhares atentos do mundo.
Somado ao habitual grau de importância que as COPs desempenham, esta edição trouxe consigo uma bagagem mais “pesada”. Ela foi a primeira a ser realizada após dois marcos importantíssimos: o início de uma retomada a “normalidade”, num momento em que o mundo se reconstrói após a avalanche sanitária, social e emocional causada pela covid-19, e também do pós divulgação do último e nada animador relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC.
Feitas as considerações iniciais, podemos seguir a bordo do que foi a experiência de participar da conferência. Mais do que um espaço onde líderes de Estado e seus representantes puramente firmam acordos, a COP é um espaço de sinergia e articulações. Por dentro dos limites de intermináveis pavilhões circulavam jovens, cientistas, ativistas, representações de governos e até crianças.
Pela política ambiental adotada pelos últimos e atual governo, o Brasil chegou na conferência com status de pária. Na tentativa de amenizar a imagem do país na conferência, o governo federal precisou desacelerar a eloquência desastrosa e antiambientalista e climática com que vinha se posicionando. Entretanto, não criemos ilusões, a fala do atual ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite de que “onde há floresta de pé, há muita pobreza”, a apresentação de alterações nas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) brasileiras nada ambiciosas e sem transparência em relação às bases de cálculo utilizadas e a criação de uma narrativa falsa do Brasil enquanto potência verde dão conta de evidenciar que a “maquiagem” foi superficial demais.
A adoção de uma postura mais sóbria tem uma explicação simples e nada nobre: o dinheiro. Por ser essa uma COP em que money era uma das grandes chaves da discussão – o financiamento climático prometido pelos países ricos aos países em desenvolvimento– tema que já havia sido levantado em COPs anteriores, foi um dos motivadores dessa “transformação” aos 45’ do segundo tempo.
O espaço nada acolhedor da COP nesta edição ganhou um diferencial: o patrocínio de empresas que estampavam suas logos em vários painéis espalhados pela conferência. Esse incremento do setor empresarial dá o tom de um movimento em curso e que atingirá força total em breve– a ideia de um capitalismo verde que se coloca como uma alternativa, ainda que contraditória, para se conter a crise climática que ele mesmo ajudou a criar.
A COP26 foi menos enérgica do que deveria, principalmente considerando que o cenário da crise climática já escrito, falado e até desenhado por especialistas é de urgência
Um dos momentos mais impactantes foi o discurso potente da ativista indígena Txai Suruí na abertura oficial do evento. Txai foi enfática ao dizer que os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática e que não há mais tempo a perder, é preciso agir e isto precisa acontecer agora.
Muitas e muitos precisaram enfrentar enormes dificuldades para chegar à conferência, que ironicamente prometia ser a mais inclusiva de todas. As limitações impostas pela pandemia, a dificuldade financeira e a postura da organização de manter as portas fechadas para muitos dos eventos oficiais contribuíram para a COP mais inclusiva de todas se tornar distante de muitos.
Rememorando a participação da sociedade civil brasileira, é preciso destacar três atores que desempenharam um importante papel: as juventudes, o movimento negro e a delegação indígena. Pela capacidade de articulação, esses três grupos estiveram em peso. Com as delegações jovem e indígena bastante numerosas e diversos representantes do movimento negro, esses grupos, que muitas vezes se interseccionam, trouxeram para Glasgow uma narrativa, cor e idades diferentes.
A participação da Coalizão Negra por Direitos foi um marco. Durante a conferência, representantes da organização, que é composta por mais de 200 entidades, lançou a carta:“ Para controle do aquecimento do planeta – desmatamento zero: titular as terras quilombolas é desmatamento zero ” que é um recado ao mundo por afirmar que “negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome , a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas e a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”. Além disso, a coalizão esteve em linha na marcha que aconteceu no Dia de Ação Global pela Justiça Climática, assim como a delegação indígena.
Mesmo que grande parte dos tomadores de decisão tenham tido posturas menos ousadas e morosas diante dos acordos estabelecidos, não se pode dizer que essa COP não teve algo de diferente. Por todo os cantos, especialmente, nos pavilhões da sociedade civil, debates, protestos que eram realizados na parte de fora da chamada Blue Zone, a área da conferência que foi organizada pela ONU, nas marchas e vigílias que aconteciam em paralelo havia um chamado por justiça climática.
Diversas vozes equalizavam uma mesma mensagem: é preciso que haja um debate sério sobre a crise climática baseado na justiça climática. Não é aceitável que a voz dos jovens, de negros e negras, dos povos indígenas, das mulheres e do Sul global sejam tangenciadas e fiquem de fora da mesa de decisão. Na marcha, realizada no fim de semana que separava a primeira da segunda semana de negociações, de ponta a ponta, era impossível não se ouvir o coro: What do you want? Climate justice. When do you want? Now (O que você quer? Justiça climática. Quando você quer? Agora, em tradução livre) .
Sobre os encaminhamentos práticos, tema de suma importância, a COP26 foi menos enérgica do que deveria, principalmente considerando que o cenário da crise climática já escrito, falado e até desenhado por especialistas é de urgência. Apesar de acordos importantes terem sido firmados, como a Declaração sobre Florestas e Uso do Solo, que visa eliminar o desmatamento ilegal, e o Compromisso Global do Metano no qual os países signatários se compromentem a reduzir 30% as emissões do gás, ambos com prazo até 2030, eles têm sido apontados por especialistas como insuficientes para de fato limitarem o aumento da temperatura a 1,5°C.
É preciso ressaltar que a COP não termina no último dia da conferência, ainda que cartas tenham sido assinadas, discursos vigorosos feitos e promessas ditas, todos voltarão para casa com inúmeros deveres. É preciso ser vigilante para que os governos cumpram os pactos, eleger governantes, tanto no Executivo quanto no Legislativo, que compreendam e se coloquem a favor da agenda climática (não é possível que se continue passando a boiada). Além disso, é preciso continuar fomentando as discussões acerca da crise climática, a fim de que fortaleçam-se vozes cada vez mais plurais dentro da pauta e, principalmente, que os espaços de discussão e decisão da agenda sejam diversos.
Jefferson Barbosa é jornalista e diretor-executivo do PerifaConnection. Integra a Coalizão Negra por Direitos e os coletivos Voz da Baixada e Movimenta Caxias, na Baixada Fluminense, onde vive. Está se formando em Comunicação Social pela PUC-Rio.
Sharah Luciano é mestranda em educação, cultura e comunicação em Periferias Urbanas pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Membro da Iniciativa Fé no Clima.
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