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Luiz Eduardo Rielli
Soluções baseadas em ciclos tecnológicos não serão acessíveis nem suficientes para evitar as mudanças do clima e os futuros desequilíbrios do planeta
Os seres humanos são, até o momento, a única forma de vida inteligente encontrada no universo. Pelo menos é o que nos diz o senso comum científico e o que está acessível à opinião pública. Sendo o planeta Terra apenas um entre bilhões de corpos celestes atualmente identificados no universo, é provável que muito há de se explorar sobre essa simples certeza.
No entanto, apesar da capacidade cognitiva superior, ou melhor, da “inteligência” humana ter promovido fascinantes descobertas científicas e massificado novos conhecimentos que permitiram o mais rápido aumento de bem-estar e das condições de vida, ela subestimou e negligenciou os seus efeitos colaterais sobre a natureza e o planeta. A “era de ouro” da humanidade, na segunda metade do século 20, colocou os seres humanos no papel de consumidores de massa, promotores de um crescimento sem fim. A tecnociência, a serviço da sociedade, parece ter colocado nós, humanos, em posição de ainda maior onipotência. Tudo isso pode ter tido sentido em seu momento histórico, mas parece que há uma conta a ser paga.
Como um paciente com uma enfermidade profunda, o planeta Terra vem apresentando sintomas, cada vez mais evidentes. Nesse sentido, o antropoceno é a forma como tem sido denominada a atual era geológica do planeta por muitos cientistas, considerando a capacidade da espécie humana de artificialmente alterar suas dinâmicas e ciclos naturais.
O problema é que os sinais começam a se intensificar e as incertezas sobre as suas origens começam a diminuir. Os altos níveis de poluição do ar, o buraco da camada de ozônio, a perda da biodiversidade, a chuva ácida e a acidificação de oceanos são fenômenos de escala planetária que há muito tempo indicam que o modelo econômico adotado teria efeitos. Entretanto, nada teve a complexidade e a magnitude do aquecimento global e das brutais e desconhecidas consequências sobre o clima.
A boa notícia é que a maior parte das formas de combater as mudanças do clima são conhecidas e disponíveis
O que o 6º relatório do IPCC – sigla do painel científico que consolida o consenso sobre ciência climática – apresentou e a COP26, a Conferência do Clima que ocorreu em Glasgow (Escócia), vocalizou por meio de seus diferentes atores é que os seres humanos neste planeta estão em risco. O ponto de inflexão está no fato de que todos devem saber que estamos entrando em um caminho sem volta, um estado crítico de colapso. Com certa analogia, como um paciente que entra em uma Unidade de Terapia Intensiva de um hospital. É uma constatação assustadora, mas verdadeira, baseada em muito esforço científico.
Mas a mensagem final da COP26 não é apenas de preocupação, mas de muita esperança. Nas palavras do seu presidente, o britânico Alok Sharma, essa é a década de virada de mesa e “de firmes ações e de rápida implementação”. Estamos correndo atrás do tempo perdido e parece que esse entendimento e o senso de urgência é compartilhado por todos.
Entretanto, quando entramos no debate sobre as maneiras de se alcançar esse objetivo e a distribuição das responsabilidades entre países, as conversas parecem não estar tão próximas de um fim. Dessa forma, se precisamos conter rapidamente a instabilidade do antropoceno, princípios básicos devem ser compartilhados por todos aqueles presentes nas negociações climáticas. Primeiro, líderes devem honrar os seus mandatos, e liderar acordos que beneficiem todos os seus cidadãos e não apenas pequenos grupos de influência. Segundo, os países devem ceder e buscar pontes para conciliar interesses, pelo bem da humanidade e dos seus próprios cidadãos. Terceiro, devem aumentar a ambição de seus compromissos, partindo do claro entendimento de que o que foi apresentado nas negociações do clima até o momento não é suficiente.
A boa notícia é que a maior parte das formas de combater as mudanças do clima são conhecidas e disponíveis. As novas energias renováveis, a eletrificação da produção e do transporte e os novos materiais, são exemplos de tecnologias que já estão sendo adotadas. O hidrogênio verde, as baterias e a captura de carbono são tecnologias em estágios iniciais, mas que têm atraído crescente interesse e esforços globalmente. Apesar de necessárias, soluções baseadas em ciclos tecnológicos não serão nem acessíveis, nem suficientes para evitar as mudanças do clima e os futuros desequilíbrios do planeta.
Uma solução abrangente e de longo prazo irá também requerer novos padrões, hábitos e paradigmas de nossas sociedades. É fundamental considerar os limites da natureza e os impactos negativos do crescimento econômico. É necessário repensar o modelo de consumo de massa. Por fim, é necessário reconectar os seres humanos e a natureza. Humildemente reconhecer que o antropoceno é o começo do fim da espécie humana e voltar a valorizar conhecimentos e saberes da dinâmica natural, como, por exemplo, nas propostas de “soluções baseadas na natureza”. São propostas que no passado poderiam ser consideradas esotéricas, mas que foram defendidas por um crescente número de autoridades durante a COP26.
Se queremos sobreviver em equilíbrio, indo além do antropoceno, precisamos colocar esse debate na agenda política e nas ações. A COP26 trouxe esse tipo de debate não apenas nas posições da sociedade civil e de grupos tradicionais, mas de cientistas, políticos e empresários. É um excelente avanço, mas muito mais é necessário para mudarmos a tempo.
Luiz Eduardo Rielli é sócio da NOVÍ Consultoria. Doutorando em Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Mudanças Climáticas pela Universidade de Lisboa (Portugal).Esteve na COP26.
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