O impacto da violência brasileira na infância e na adolescência

Debate

O impacto da violência brasileira na infância e na adolescência
Foto: Charlein Gracia /Unsplash

José Luiz Egydio Setúbal


14 de dezembro de 2021

Discussões podem ajudar especialistas, lideranças sociais, legisladores e gestores públicos a encontrar os caminhos para as melhores soluções para prevenir e enfrentar problema

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Viver no Brasil e ser criança, sobretudo se for pobre e negro, pode ser muito perigoso. Isso é o que mostram os dados publicados no final de outubro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Unicef.

Nos últimos cinco anos, 35 mil crianças foram assassinadas, quase 90% (31 mil) com idades entre 15 e 19 anos, sendo 72% meninos negros. Até os nove anos, 1/3 eram meninas, em sua maioria negras, e morreram dentro de casa. Em 2020, 142 crianças menores de quatro anos foram vítimas de morte violenta, 90% das vezes ocasionadas por alguém conhecido. Em relação ao estrupo, a prevalência é de vítimas femininas (80%), principalmente de 10 a 14 anos, abusadas em casa e por conhecidos (86%). A grande subnotificação da violência sexual não permite fazer uma análise histórica.

Todos os anos quando sai os números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública fico realmente abalado com o país no qual vivemos, como pouco ligamos para nossas crianças e nos preocupamos com o futuro delas. Na nossa Constituição, a criança e o adolescente são prioridades, temos o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), mas o que realmente fazemos para que ele seja cumprido?

Frente a tudo que foi relatado acima e a toda minha vivência como pediatra dentro de hospitais vendo casos de violência e maus-tratos contra crianças e adolescentes é que resolvemos no final de 2020 realizar nosso 3º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES) tendo como tema a saúde mental com recorte na Violência e Maus-Tratos Contra Crianças e Adolescentes: O Papel da Prevenção. O evento foi realizado em parceria com o Nexo e apoio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Galo da Manhã e a Coalizão Brasileira Pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.

Para este evento foram encomendadas três pesquisas, relatórios sobre elas e um “white paper” de saúde mental sobre o impacto da violência na infância. Todo este material serviu de base para as discussões que ocorreram nos dias 2, 6 e 8 de dezembro com transmissão ao vivo pelo canal no YouTube e também estará disponível para consulta depois de editado no site da FJLES.

Viver no Brasil e ser criança, sobretudo se for pobre e negro, pode ser muito perigoso. Isso é o que mostram os dados publicados no final de outubro

Nos três dias do Fórum tivemos participações de pessoas importantes e especialistas nos temas abordados e com discussões muito ricas que poderão ser acessadas nos links acima.

No primeiro dia com as presenças de Cassia Carvalho, da Global Partnership to End Violence (ONU/Unicef); Sofia Reinach, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Luciana Temer, do Instituto Liberta; da deputada federal Érika Kokay e mediação de Paula Miraglia, do Nexo, foi discutida a pesquisa realizada a partir dos dados de um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da FJLES que foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Foram 129 mil registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil, considerando os crimes de estupro, exploração sexual, mortes violentas intencionais, maus-tratos e lesão corporal doméstica. “Fica muito claro que a gente está tratando de duas formas de violência. Uma doméstica, que afeta crianças, meninas, e outra a violência urbana, que se traduz em mortes violentas que atingem meninos negros de 15 a 17 anos. É fundamental que a gente separe esses tipos, porque as políticas de enfrentamento da violência doméstica são totalmente diferentes das de enfrentamento à violência urbana”, afirma Reinach. Já Cassia Carvalho da Unicef salientou a importância da metodologia Inspire como ferramenta de prevenção a ser adotada pelos governantes em todo o país nos diferentes níveis e fóruns para uma abordagem sistêmica.

Na segunda mesa tivemos a participação de Fabiana da Silva, do Apadrinhe um Sorriso; Luci Pfiffer, da Sociedade Brasileira de Pediatria; Rodrigo Sinott, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e com a minha mediação. Pudemos discutir sob o olhar dos profissionais de saúde e da pedagogia a pesquisa encomendada pela FJLES e Instituto Galo da Manhã e realizada pelo Instituto Ipsos em 134 municípios ao longo do mês de novembro. Dividido em três eixos principais, o trabalho avaliou a percepção dos brasileiros em relação ao período da infância; a opinião sobre maus-tratos; e os desafios e conhecimento sobre serviços de apoio e denúncia. Os pesquisadores destacam resultados positivos e negativos. Entre as ditas surpresas agradáveis, está o entendimento que a infância vai até os 14 anos e o aumento da ideia de igualdade de gênero na criação das crianças, já que 73% dos entrevistados responderam que meninos e meninas devem ser criados da mesma forma. A porcentagem foi semelhante ao índice de concordância com a criação na base do diálogo (72%).

Foram realçados os papéis do pediatra na atenção básica e do professor na sala de aula para a detecção precoce dos sinais de violência contra a criança e no papel de educador dos pais e das famílias.

Finalmente, na última discussão contamos com Ana Paula Lima, do Projeto Cunhataí Ikhã; Márcia Dias, da Associação Santa Fé; Gabriela Peixinho, da Luta pela Paz; Michael Farias Alencar Lima, da Secretaria de Desenvolvimento Social de Vitória da Conquista, e a mediação de Renata Rivitti, do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo). Nesta mesa foram apresentadas ações exitosas para a prevenção e enfrentamento de diversas localidades do Brasil, com situações envolvendo comunidades bem diferentes e que podem servir de modelo e inspiração para outras iniciativas. Estes casos foram mapeados nos esforços da FJLES e da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes para sistematizar e apresentar uma forma metodológica de 10 práticas.

Depois destes três dias de discussões, creio que a nossa Fundação fez seu papel de lançar luz sobre este tema fazendo pesquisas e trazendo material para embasar as futuras discussões e ajudar especialistas, lideranças sociais, legisladores e gestores públicos a encontrar os caminhos para as melhores soluções para a prevenção e o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes e garantir seus direitos para uma infância saudável.

José Luiz Egydio Setúbal é médico com especialização em pediatria e pós-graduação em economia e gestão de saúde. É presidente do Conselho da Fundação que leva seu nome e do Fundo Areguá.

Este conteúdo é parte da cobertura do evento “Violência e maus-tratos contra crianças e adolescentes - o papel da prevenção”, realizado pelo Nexo em parceria com a FJLES (Fundação José Luiz Egydio Setúbal), instituição que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância, ao conhecimento científico sobre a saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil.

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