O fascismo arromba a porta na mutilação dos símbolos da República

Debate

O fascismo arromba a porta na mutilação dos símbolos da República
Foto: Amanda Perobelli/REUTERS - 10/01/2023

Érico Andrade


01 de fevereiro de 2023

Bolsonaristas ganharam corações dos reacionários, que longe de condenar os ataques, seguiram a tática recorrente nas redes sociais de culpabilizar a vítima com a afirmação de que houve leniência do novo governo

Às nove horas da manhã do dia 8 de janeiro de 2023 uma ex-companheira me liga com voz quase ofegante. De Brasília ela mandava notícias que o hotel no qual estava havia sido tomado por pessoas com camisas da CBF ou com roupas que estampavam o que chamavam de atitude patriótica. E eram dezenas, me dizia ela ainda incrédula na mesma proporção de sua inquietação diante do ambiente hostil a pessoas que, como ela, tinham se deslocado até Brasília para ver a posse de Lula. Desligamos o telefone com a promessa de que ela iria antecipar a sua ida para o aeroporto.

Algumas poucas horas depois é por meio das redes sociais que o pressentimento de uma ação bolsonarista é confirmado da pior forma. Àquilo que minha ex-companheira tinha assistido era o prenúncio de um ataque à democracia. Certamente o maior ataque das últimas décadas. Sem qualquer especialidade em segurança pública ela antevia, a exemplo de outras tantas pessoas que estavam em Brasília, que aquela quantidade desproporcional de pessoas de meia idade em Brasília, vestidas com as cores do Brasil, conspirava para que na forma de um golpe conseguissem desfazer, ainda que apenas simbolicamente, a passagem da diversidade do Brasil pela rampa do planalto na imagem histórica da nova república. Foi uma reação como reativo são os sentimentos de quem se move para restaurar um Brasil branco, heteronormativo, masculino e patriarcal.

Se é verdade que os bolsonaristas não agiram no dia da posse e não conseguiram impedir a produção das imagens, capturadas por várias câmeras, que projetavam o protagonismo da democracia nas manchetes de jornais, eles conseguiram sequestrar a pauta do debate público. Agiram como agem nas redes sociais, aqui faço referência aos estudos de Letícia Cesarino, sempre tentando conduzir o debate público sem absolutamente nenhum compromisso ético com a verdade. Em certo sentido, conseguiram. Essa foi a primeira vitória do fascismo.

E vieram outras. Uma das características do fanatismo é que ele tem tendência suicida porque a vida das pessoas tomadas pelo fanatismo já foi suficientemente validada pelo simples fato de terem entrado na seita. Ou seja, a punição subsequente aos atentados terroristas, em alguma medida previstas pelos bolsonaristas, em geral não os atinge diretamente porque o propósito de sua ação se encerra nela mesma. As suas vidas já tiveram o seu troféu. Assim como um terrorista é capaz de jogar o seu corpo para morte e reter uma recompensa simbólica, os bolsonaristas acreditam que a prisão é apenas a demonstração da importância de seu combate. A punição é expiação.

Nesse ponto, tiveram outra vitória. Os bolsonaristas provaram que representam um grande universo de pessoas que são capazes de relativizar a mutilação dos símbolos da república. Pessoas que não estão dispostas a sujar as mãos como assim o fizeram os mártires do bolsonarismo, mas que se animam com o rastro da merda deixado por eles como reação ao que tiveram que engolir na simbólica passagem na rampa das pessoas negras, com deficiência, sindicalistas, mulheres e pessoas trans. Os bolsonaristas ganharam os corações dos reacionários os quais longe de condenarem o ataque aos símbolos da república, seguiram a tática, recorrente nas redes sociais, de culpabilizar a vítima com a afirmação leviana de que houve leniência do recém empossado governo.

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