Debate
Marta Mendes da Rocha e Paulo Mesquita D’Ávila Filho
Vereadores realizam um trabalho territorial voltado para a zeladoria da cidade. Apesar de seus impactos tangíveis para a população, trata-se de uma atividade, em geral, desvalorizada
No atual arranjo federativo brasileiro, os municípios têm papel central em áreas chave para a qualidade de vida da população. Se as vias públicas estão mal-iluminadas, se a coleta de lixo não funciona bem e se os ônibus estão em más condições e frequentemente atrasados, isso é responsabilidade das autoridades municipais. O mesmo pode ser dito sobre os serviços básicos de saúde e educação e outras políticas que são formuladas em outros níveis, mas dependem dos municípios para a sua correta execução. Embora essas responsabilidades sejam frequentemente associadas ao Poder Executivo, é equivocado subestimar o papel das câmaras municipais na garantia de acesso a políticas e serviços públicos de qualidade.
Além de propor e alterar projetos de lei, os vereadores devem atuar na regulamentação de políticas sociais e participar ativamente na aprovação do Plano Diretor e do Orçamento Anual. Devem discutir, emendar e fiscalizar os projetos apresentados pelo Executivo para garantir que as diretrizes sejam cumpridas. Além do orçamento, a câmara deve fiscalizar todas as ações da administração municipal e, para isso, conta com vários mecanismos. Alguns dos mais comuns são os requerimentos de informação a prefeitos e secretários, a convocação de autoridades do Executivo para prestar esclarecimentos na câmara, as audiências públicas, as comissões de fiscalização e controle e as comissões parlamentares de inquérito. As câmaras também são auxiliadas pelos Tribunais de Contas que atuam na fiscalização orçamentária e financeira dos municípios, realizam auditorias e emitem pareceres sobre as contas do prefeito.
Assim, quando o Executivo falha, ele não falha sozinho. É provável que a câmara não esteja desempenhando a contento seu papel controlador. Muitas vezes, os vereadores negligenciam a fiscalização para não se indispor com os prefeitos e garantir acesso a recursos dos quais eles dependem para atender as suas bases eleitorais. Além disso, muitos deles preferem se dedicar a atividades que eles julgam que são mais visíveis e valorizadas pelos eleitores.
Outras atividades às quais os vereadores se dedicam é a apresentação de PLs (projetos de lei), indicações, requerimentos, moções e homenagens. Os PLs comumente são associados à imagem que se tem dos vereadores enquanto legisladores. Na prática, porém, eles ocupam um espaço reduzido na agenda da vereança. Em uma pesquisa com 422 vereadores de 40 municípios de Minas Gerais realizada pelo Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local) da Universidade Federal de Juiz de Fora, observou-se que propor leis não é a atividade mais valorizada pelos vereadores. Isso se deve aos custos de tramitação de um PL que deve seguir regras específicas e é muito mais demorada e difícil do que a apreciação de indicações.
Dificuldades de se produzir sínteses sobre câmaras municipais é sua significativa variação
As indicações consistem em solicitações e sugestões de ações direcionadas às agências do Executivo Municipal como consertos de postes de luz, limpeza de ruas e podas de árvores, e sugestões de investimentos, como criação de contenção de encostas ou instalação de equipamentos culturais. Além de uma tramitação mais simples, as indicações têm um endereço determinado e um público alvo bem definido. Os custos envolvidos em sua apresentação consistem na mediação política entre beneficiários potenciais, o mandato e os órgãos da prefeitura responsáveis pela execução.
Por meio delas os vereadores realizam um trabalho territorial voltado para a zeladoria da cidade. Apesar de seus impactos tangíveis para a população, trata-se de uma atividade, em geral, desvalorizada. Considera-se que ela converte os vereadores em “síndicos” ocupados com dimensões pedestres da função, que estariam além ou aquém do papel de legislador. Na realidade, muitas vezes, esta avaliação decorre do desconhecimento das condições que marcam o cotidiano da vereança na grande maioria dos municípios brasileiros.
Na pesquisa realizada pelo Nepol mais de 60% dos vereadores afirmou ser procurado todos os dias pelos eleitores. Os principais motivos eram a apresentação de pedidos (60%) e de reclamações (20%). Os pedidos mais frequentes dos eleitores eram relacionados com saúde (30%), seguidos de pedidos de emprego (21,2%), melhorias na rua/no bairro (15,5%) e apoio a causas coletivas (11,4%). As estratégias mais comuns dos vereadores para responder aos pedidos eram apresentando uma indicação (33,6%), acionando autoridades em órgãos da prefeitura (26,4%) e encaminhando a pessoa para o órgão competente (18,3%).
Uma das grandes dificuldades de se produzir sínteses sobre as câmaras municipais no Brasil é sua significativa variação. O Brasil se caracteriza por grande concentração populacional em poucas cidades. As 41 cidades com mais de 500 mil habitantes concentram 58,8 milhões de pessoas. Na outra ponta, a maioria dos municípios brasileiros (69%) que possuem até 20 mil habitantes somam cerca de 15% da população. Essas diferenças demográficas estão associadas a diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico e a distintos tipos de problemas. As câmaras municipais também variam em tamanho (de nove a 55 vereadores), perfil e grau de fragmentação, e todos esses fatores impactam as dinâmicas de interação com os representados e com o Poder Executivo. Deste modo, enquanto expectativa dos cidadãos, o que um vereador ou vereadora faz ou deveria fazer varia em função da configuração dos arranjos políticos locais e dos desafios que emergem destes cenários.
Marta Mendes da Rocha é doutora em ciência política e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local. É pesquisadora do CNPq.
Paulo Mesquita D’Ávila Filho é doutor em ciência política e professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Faz parte dos programas de pós-graduação em ciências sociais e de Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. Agradecemos às bolsistas de iniciação científica Lara Polisseni, Marcela Felix, Analuz Sermarini e Vitória Moura pelo apoio no levantamento de dados.
Esse artigo de opinião faz parte da série “O papel dos municípios no federalismo brasileiro”, produzido por pesquisadores do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), no âmbito das eleições municipais de 2024.
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