Planejamento urbano: condição para cidades sustentáveis

Debate

Planejamento urbano: condição para cidades sustentáveis
Foto: Reprodução/Rio2016

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André Marenco, Lisandro Abulatif e Marília Bruxel


16 de agosto de 2024

Realidade de ocupação populacional dos territórios no Brasil pode ser considerada como um processo que vem ocorrendo de modo, em grande parte, desordenado no que diz respeito ao planejamento

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Dados do Banco Mundial mostram que entre os anos de 1980 e 2023, a proporção de pessoas vivendo em áreas urbanas no mundo apresentou um salto de 39% para 57%. No Brasil, no mesmo período, o salto foi de 65% para 88% em relação à população que passou a viver em territórios urbanos. Esse aumento populacional das cidades brasileiras nas últimas décadas traz consigo uma série de consequências em relação à dinâmica das cidades como, por exemplo, o aumento da atividade econômica, expansão territorial do uso do solo para atividades como habitação, comércio e serviços públicos, formação de centros urbanos que concentram o fornecimento de bens e serviços para cidades próximas, etc.

Nos últimos anos vem sendo adicionada a perspectiva da sustentabilidade para as cidades, trazendo assim a noção de desenvolvimento urbano sustentável, que, segundo a Organização das Nações Unidas, consiste basicamente em cidades que são capazes satisfazer as necessidades do presente para o seu desenvolvimento sem comprometer a habilidade das futuras gerações de satisfazerem as suas próprias necessidades.

A realidade de ocupação populacional dos territórios urbanos no Brasil pode ser considerada como um processo que vem ocorrendo de modo, em grande parte, desordenado no que diz respeito ao planejamento do uso dos territórios urbanos. E esse “desordenamento” não está unicamente relacionado aos processos informais e irregulares de utilização do solo, mas também do exercício do uso de forças mercadológicas e políticas que ao longo dos anos vêm induzindo a flexibilização e viabilização do uso de áreas para usos inadequados e incompatíveis com as suas características ambientais. 

Processos desordenados de urbanização, juntamente com processos de planejamento urbano inadequados e não integrados levam à sobrecarga dos recursos naturais e públicos das cidades, como água, saneamento, espaço, mobilidade, energia e equipamentos públicos. Essa situação é agravada pelo crescimento populacional e pela atividade socioeconômica, resultando em problemas urbanos complexos. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, é crucial que planejamento e gestão urbana estejam integrados, com a participação da administração pública e da população.

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) estabelece diretrizes para a política urbana visando o desenvolvimento sustentável dos municípios, focando no bem-estar da população e no equilíbrio ambiental. Assim, define objetivos, diretrizes e instrumentos, como o Plano Diretor Municipal – PDM (obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes), unidades de conservação, planos de desenvolvimento e assistência técnica para comunidades carentes. Além dos instrumentos do Estatuto da Cidade, outros como o PPA (Plano Plurianual), LOA (Lei Orçamentária Anual) e PDM são importantes para o desenvolvimento urbano sustentável.

No entanto, a capacidade de implementação desses instrumentos varia entre os municípios, sendo menor em cidades menores. Dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (edição 2020) do IBGE mostram que quanto menor o porte dos municípios obrigados à elaboração de instrumentos de política urbana, maiores são as chances de eles não possuírem tais instrumentos.

IMPLEMENTAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA NO BRASIL – 2021

A pesquisa do IBGE revela que a maioria dos municípios brasileiros, especialmente os menores, não possui capacidade de implementar instrumentos de planejamento urbano para o desenvolvimento sustentável, como as zonas especiais de interesse social. Dessa forma, fica evidente que no contexto dos municípios brasileiros, os de menor porte (que são a maioria no país) tendem a ter menos condições de infraestrutura, recursos administrativos, técnicos e gerenciais, além da complexidade na seleção e operacionalização desses instrumentos.

É evidente que o desenvolvimento de capacidades estatais para a implementação de políticas sustentáveis dependem de mecanismos de indução federal: o Estatuto das Cidades tornou mandatória a implementação de Planos Diretores; em outras áreas como assistência social e saúde, Suas (Sistema Único de Assistência Social) e SUS (Sistema Único de Saúde) capilarizaram estruturas locais para a implementação de programas federais; conselhos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foram rapidamente adotados por enforcement legal. Indução federal de políticas de planejamento e desenvolvimento urbano a partir de um modelo de políticas orientadas por missões podem compensar a carência de recursos nos pequenos municípios. Nesse sentido, gestões municipais têm como alternativa o desenvolvimento de políticas orientadas por missões (mission-oriented policies), isso é, desenhadas a partir de ações em rede integrando diferentes áreas e atores. A administração pública pode promover a inovação e modernização por meio de redes transversais que envolvem universidades, empresas, centros de inovação e tecnologia, além da ação dos governos. As políticas orientadas por missões permitem que os gestores municipais alinhem seus objetivos com diferentes agentes, ampliando capacidades técnicas, recursos e apoio do governo federal. Essa abordagem propõe compartilhar responsabilidades de planejamento e desenvolvimento urbano com novas instituições, como universidades, laboratórios e institutos de pesquisa, que atuam em parceria com governos locais, empresas e sociedade civil.

Não obstante às possibilidades disponíveis aos gestores públicos quanto a construção de redes transversais e inovação na gestão do planejamento e desenvolvimento urbano, é fundamental que outras iniciativas sejam desempenhadas pelo nível federal. Os recursos técnicos, financeiros e de coordenação de que dispõem devem ser empregados de modo a impulsionar os entes subnacionais por meio de uma atuação conjunta que promova capacitações de servidores, incentivos e subsídios financeiros à consecução das políticas. Ainda, frente a esse contexto, há necessidade de serem pensados mecanismos de fiscalização e avaliação dessas políticas, de maneira que seja possível verificar não apenas a existência de instrumentos de planejamento, mas a sua efetividade.  

André Marenco é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenador e pesquisador do INCT-QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável).

Lisandro Abulatif é consultor na Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). Discente do curso de doutorado em políticas públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador discente do INCT-QualiGov.

Marília Bruxel é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora do INCT-QualiGov.

Este artigo de opinião faz parte da série “O papel dos municípios no federalismo brasileiro”, produzido por pesquisadores do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), no âmbito das eleições municipais de 2024. 

ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto afirmava que o Estatuto das Cidades era de 2021. Na verdade, ele é de 2001. O texto foi corrigido no dia 19 de agosto de 2024, às 16h.

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